O STF Determinou o Bloqueio de Contas de Redes Sociais Hospedadas no Exterior?

STF Muito se comentou, nos últimos dias, sobre a determinação do Ministro do STF Alexandre de Moraes, que, segundo diversos órgãos da imprensa, teria determinado o bloqueio de perfis de “bolsonaristas” hospedados em redes sociais no exterior. Mas o que houve, na realidade? Vamos entender. De início, deixamos claro que não entraremos no mérito sobre a eventual possibilidade de liberdade de expressão dos titulares das contas bloqueadas. O foco central é saber o que houve na tão comentada decisão. O Ministro Alexandre de Moraes realmente determinou que as contas dos perfis investigados no chamado “Inquérito das Fake News” hospedadas no mundo todo fossem mesmo integralmente bloqueadas, como vem se noticiando? A nosso ver, não. Não foi isso que o Ministro determinou. Para entender melhor, uma breve digressão dos acontecimentos é necessária. No âmbito do Inquérito 4.781, que tramita no STF, o Ministro Alexandre de Moraes, relator do referido procedimento, determinou que o Facebook bloqueasse os perfis de bolsonaristas envolvidos na propagação de notícia falsa. Referida decisão foi, de fato, cumprida pelo Facebook. Tudo isso visando que mensagens já postadas e identificadas como ofensivas e possivelmente criminosas (em tese) fossem vistas. Para tanto, em um primeiro momento, ele determinou que o Facebook e o Twitter bloqueasse os referidos perfis, para evitar a reverberação da prática criminosa. Tanto o Twitter, como o Facebook cumpriram a decisão. Ocorre que essas pessoas acabaram por alterar as configurações das respectivas contas para que elas passassem a ter domínio em outros países, que não o Brasil, driblando a decisão do Ministro Alexandre de Moraes. Ao tomar conhecimento dessa informação, o referido Ministro determinou ao Facebook e Twitter, que o a ordem fosse cumprida integralmente, mas deixou claro, a nosso ver, que não determinou o integral bloqueio de contas hospedadas fora do país, mas sim que se bloqueasse as visualização das postagens consideradas ofensivas (postagens específicas e já postadas anteriormente à decisão) independentemente de o acesso a elas serem por meio de IP sediado em outro país. Vejamos um trecho da decisão:

“O cumprimento PARCIAL da ordem de bloqueio das contas e, consequentemente, da visualização das mensagens, acarreta a imposição da multa determinada. Diante desse fato, intimem-se novamente as empresas TWITTER e FACEBOOK para que cumpram INTEGRALMENTE a decisão de 26/5/2020, reiterada em 22/7/2020, independentemente do acesso a essas postagens se dar por qualquer meio ou qualquer IP, seja do Brasil ou fora dele (nos termos da conclusão do laudo pericial acima transcrita)”.

No entanto, houve ampla divulgação de que esta última determinação não seria cumprida, nem pelo Facebook, nem pelo Twitter. E foi então que se iniciou discussão sobre se uma autoridade judicial brasileira poderia impor a outro país o cumprimento de sua decisão. Mas será que foi realmente isso que o Ministro determinou? Devemos lembrar que houve uma sucessão de fatos novos, ocorridos após a decisão de 26 de maio de 2020 (a primeira decisão, aquela que determinou o bloqueio dos perfis). Naquela oportunidade, não se esperava que os perfis migrariam de país. Quando isso ocorreu, foi necessário adaptar a decisão para, assim, evitar que as mensagens identificadas como (possivelmente) criminosas não fossem mais vistas. E foi aí que a imprensa não contribuiu em nada para informar a população. Na verdade, a nosso ver, atrapalhou a compreensão da decisão, datada do dia  31 de julho de 2020, após o Ministro tomar conhecimento de que as redes sociais citadas não iriam cumprir a decisão. É fato que a grande mídia vem fazendo um apelo ferrenho para evitar que tais notícias falsas sejam propagadas. Mas, a mesma “grande mídia” acaba contribuindo com esse mal causado pelas “fake News” quando deixa de noticiar o que de fato ocorreu, criando nos leitores uma falsa ideia da realidade, seja por conta de um título de reportagem que sai completamente do contexto da decisão, seja pela ausência da informação sobre o que ocorreu realmente. Veja-se:

Nesta reportagem, o título não diz que o Facebook cumpriu a ordem do Ministro Alexandre de Moraes, mas no corpo do texto isso fica muito claro.

No entanto, no contexto das decisões, especialmente desta última, datada de 31 de julho de 2020, o Ministro deixa claro que o se determinou foi que as mensagens, repisa-se, já postadas anteriormente e consideradas criminosas (em tese) não sejam visualizadas no território nacional. É o que diz textualmente o Ministro no referido decisum:

“A decisão de 22 de julho p.p. reiterou a ordem de bloqueio integral, em relação a visualização em território nacional, de perfis e contas mantidas ou vinculadas aos investigados, em tese utilizadas como meio para o cometimento dos crimes apurados nestes autos (…) A suspensão – repita-se, em relação a fatos pretéritos – deve ser total e absoluta, configurando-se descumprimento a permissão dada pelo provedor implicado para a continuidade de divulgação das contas bloqueadas no Brasil, a partir de acessos em outros países. Não se discute a questão de jurisdição nacional sobre o que é postado e visualizado no exterior, mas sim a divulgação de fatos criminosos no território nacional, por meio de notícias e comentários por contas que se determinou o bloqueio judicial. Ou seja, em momento algum se determinou o bloqueio de divulgação no exterior, mas o efetivo bloqueio de contas e divulgação de suas mensagens ilícitas no território nacional, não importando o local de origem da postagem”.

Fato é que o Facebook entendeu por bem bloquear por completo as contas, mas o fez sponte propria, pois, como vimos, não foi exatamente isso que determinou o Ministro na sua decisão. É aí que a imprensa deveria esclarecer o leitor/telespectador: deveria ter dado ênfase ao que, de fato, foi determinado na decisão do dia 31 de julho de 2020, e não divulgar que o Facebook atendeu a ordem do STF para bloquear os perfis hospedados no exterior. E nenhuma das reportagens citadas acima, por exemplo, escreveu uma linha sequer sobre o efetivo teor da decisão do dia 31 de julho de 2020 (citada alhures). Indiscutivelmente, essa parte da decisão não teve o destaque merecido na mídia, o que levou o cidadão a crer que, realmente, o Ministro teria determinado que o Facebook cumprisse, em âmbito mundial (já que a empresa possui sede em inúmeros países do globo terrestre) uma decisão advinda da Corte Suprema do Brasil. E, como se viu, não foi isso que foi determinado. Por isso, não basta criticar e divulgar que as notícias devem ser verificadas antes de serem repostadas pelos leitores/telespectadores/usuários de redes sociais. A grande mídia precisa levar corretamente a notícia ao cidadão e não distorcer o que de fato ocorreu. Assim, seriam muito maior a sua contribuição para evitar esse mal que atinge indistintamente o mundo todo e que causa inúmeros prejuízos, chamado “Fake News”.

Flávia Elaine Remiro Goulart Ferreira Advogada do escritório Cláudia Seixas Sociedade de Advogados

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