O Código de Trânsito Brasileiro (CTB) é uma das legislações mais conhecidas nacionalmente em razão de suas previsões afetarem, diretamente, os costumes da população. Dentro do disposto no Código, o Art 306 CTB é um artigo muito comentado, que aborda a tão falada embriaguez ao volante.
O Art 306 CTB disciplina como crime a prática de dirigir com a capacidade psicomotora alterada em razão da ingestão de bebida alcoólica ou de outra substância psicoativa que determine dependência. Referido artigo sofreu importantes alterações, abaixo abordadas, desde a publicação do Código de Trânsito, em setembro de 1997. Originalmente, o crime disposto no Art 306 CTB era descrito da seguinte forma:
“Conduzir veículo automotor, na via pública, sob a influência de álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem”.
Da forma como colocado, para que se caracterizasse o crime do Art 306 do CTB não bastava que o motorista estivesse embriagado, mas, também, que colocasse outra(s) pessoa(s) em situação de risco, ou seja, deveria no caso, haver o chamado perigo concreto, uma ação imprudente por parte do condutor, como por exemplo, o que dirige em velocidade não condizente com a segurança da via. Ou, melhor dizendo, mesmo que o condutor tivesse ingerido bebida alcoólica ele precisaria adotar outra conduta irregular para que ficasse caracterizado o crime do Art 306 CTB.
Com o passar do tempo e diante de números concretos[1], com consequentes mortes e graves lesões ocorridas no trânsito, percebeu-se que a imputação do crime disposto no Art 306 CTB em quase nada coibia as pessoas de beber e dirigir, concomitantemente.
A triste realidade fez com que o legislador adotasse posturas cada vez mais rigorosas não só com relação ao Art 306 CTB, mas também com relação aos demais crimes do Código de Trânsito, e estimulasse o debate na sociedade, o que mostra a alteração trazida com a Lei nº 12.760/2012, então chamada de “Nova Lei Seca”:
“Art. 306. Conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência:
- 1º As condutas previstas no caput serão constatadas por:
I – concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue ou igual ou superior a 0,3 miligramas de álcool por litro de ar alveolar, ou
II – sinais que identifiquem, na forma disciplinada pelo Contran, alteração da capacidade psicomotora.
- 2º A verificação do disposto neste artigo poderá ser obtida mediante teste de alcoolemia, exame clínico, vídeo, prova testemunhal ou outros meio de prova em direito admitis, observado o direito à contraprova.
- 3º O Contran disporá sobre a equivalência entre os distintos testes de alcoolemia para efeito de caracterização do crime tipificado neste artigo.
Com esta então nova redação, o crime de embriaguez ao volante, disciplinado no Art 306 CTB, se caracteriza quando se constatar que a capacidade psicomotora do motorista esteja alterada em virtude do álcool ou de outras substâncias psicoativas, como, por exemplo, “maconha” ou “cocaína”.
A alteração da capacidade psicomotora passa então a ser elementar do tipo do Art 306 CTB, o que significa dizer que, caso o motorista tivesse ingerido bebidas alcoólicas, mas não estivesse com a sua capacidade psicomotora alterada, o crime não estaria configurado.
A grande modificação trazida no Art 306 CTB reside no fato de o tipo penal não mais vincular a constatação da embriaguez, única e exclusivamente, ao percentual de seis decigramas de álcool por litro de sangue, sendo este apenas um dos meios de prova possíveis para caracterizar o crime comentado.
Mas as mudanças não pararam por aí.
Em abril de 2018 surgem novas e importantes alterações no Código de Trânsito, mas sem novidades quanto Art 306 CTB. Dessa vez, foi dada maior relevância ao crime de homicídio culposo, quando o motorista estiver conduzindo o veículo sob influência de álcool ou qualquer outra substância psicoativa, e se o crime resultar lesão corporal de natureza grave ou gravíssima.
Nesse caso, a pena que, anteriormente, era de detenção de seis meses a dois anos, passou a ser de reclusão de dois a cinco anos. O legislador quis dar maior importância e repreender ainda mais os crimes dispostos no CTB, tornando a lei mais severa, com penalidades majoradas, de forma considerável, principalmente no que diz respeito à perigosa combinação entre álcool e volante.
Art 306 CTB: embriaguez ao volante – crime de perigo concreto ou abstrato
O crime de embriaguez ao volante, disposto no Art 306 CTB, é considerado crime de perigo abstrato, assim como crime de tráfico de drogas, o que importa em dizer que é desnecessária a demonstração da potencialidade lesiva da conduta do agente para a configuração do delito. Os crimes assim considerados são aqueles que não exigem a lesão de um bem jurídico ou a colocação deste bem em risco real e concreto. São tipos penais que descrevem apenas um comportamento, uma conduta, sem apontar um resultado específico, ou seja, esses tipos penais são distintos dos demais porque neles o legislador deixa de indicar qualquer resultado naturalístico, descrevendo apenas o comportamento penalmente relevante.
Pode-se dizer que nos crimes de perigo abstrato, tal qual o disposto no Art 306 CTB, o legislador, diante de uma conduta potencialmente danosa e perniciosa, socialmente falando, presume-a perigosa e, nesses casos, basta a comprovação de que o agente, no caso o condutor do veículo, praticou-a para que o crime do esteja consumado.
O Estado, nesses casos, age utilizando-se de uma política criminal de prevenção e precaução, atento aos valores e princípios basilares da sociedade.
Essa foi uma mudança considerável feita no Art 306 CTB com a alteração sofrida em 2012, conforme já mencionado acima.
Atento a tudo isso, o legislador prevê, ainda, sérias medidas administrativas, tais como as abaixo mencionadas:
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Medidas administrativas não disciplinadas no comentado Art 306 CTB – multa e suspensão da CNH
Importantes informações constam no Art 165 CTB quanto às medidas administrativas do inapropriado combo álcool/direção. Muitas vezes, a preocupação dos motoristas, em geral, é se ficarão com sua habitação suspensa, valor da multa a ser pago, mas sequer se dão conta que a quantidade de álcool ingerida que, conforme a pessoa/peso e tempo de ingestão, apenas uma lata de cerveja pode levá-lo a responder pelo crime tão comentado crime disposto no Art 306 CTB.
Quando falamos de Lei Seca, ou até mesmo a chamada “tolerância zero”, os dispositivos infracionais são os artigos 165 e 165 – A, do CTB. O artigo 165 determina como infração a prática de dirigir sob a influência de substância psicoativa e o Art 165 – “A” define como infratora a conduta de quem se recusa a fazer a verificação de alteração da capacidade psicomotora.
A “tolerância zero” vem justamente do fato de que nenhuma quantidade de álcool é permitida. Se a intenção for dirigir, vale a máxima, não beba. A presença de qualquer quantidade de álcool no organismo do condutor, sujeita-o às penalidades previstas no Art 165, quais sejam, a multa, que chega a quase três mil reais e a suspensão da habilitação por 12 meses. Ainda, um detalhe merece ser colocado. Se, ao ser parado em uma blitz policial, não houver outra pessoa apta a conduzir o veículo, então dirigido pelo motorista que ingeriu álcool, este será guinchado.
A diferença entre ficar apenas nas infrações administrativas, que já são severas e/ou incorrer no crime disposto no Art 306 CTB reside apenas e tão somente na quantidade de álcool que for verificada e essa informação consta no inciso I, do parágrafo primeiro, descrito e comentado acima (igual ou superior a 6 decigramas por litro de sangue ou igual ou superior a 0,3mg por litro de ar alveolar).
Desse modo, se o resultado do bafômetro for positivo e menor que 0,34 mg/l (aqui considerada uma pequena margem de erro), o motorista não será enquadrado no crime do Art 306 CTB, mas será, sim, multado pela Lei Seca. Lembrando que fazer ou não o teste do bafômetro é indiferente, pois as consequências administrativas de não realizar o teste são as mesmas de se fazer. A diferença reside na quantidade ser superior a 0,34 mg/l, pois aí o condutor incorrerá no crime disposto no Art 306 CTB, que tem as penas abaixo demonstradas.
Pena disciplinada no Art 306 CTB e possibilidade de fiança
O Art 306 CTB traz como pena para quem praticar o crime de embriaguez ao volante a detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
Preso em flagrante pela prática do crime do Art 306 CTB, o motorista que estiver conduzindo veículo embriagado será levado à Delegacia de Polícia, local em que o Delegado poderá arbitrar fiança, perfeitamente cabível no caso, nos termos do disposto no artigo 325, do Código de Processo Penal. Na prática, a fiança proposta para o crime tipificado no Art 306 CTB ficará entre 1 a 100 salários mínimos, conforme a condição econômica do condutor. Frisa-se que se o mesmo estiver desempregado, o delegado poderá aplicar a minorante de 2/3. O pagamento se dá mediante recibo, em dinheiro, na própria delegacia.
Caso o motorista não tenha condições de arcar com o pagamento da fiança referente ao crime do Art 306 CTB, ele permanecerá preso e aguardará a audiência de custódia, que deverá ocorrer 24 horas após a prisão em flagrante. Nesta audiência o juiz decidirá se relaxa a prisão, converte em prisão preventiva ou concede liberdade provisória com ou sem fiança.
Pagou está livre?
Em tese, pois o Inquérito Policial tramitará, constando as informações como tipificação do crime do Art 306 CTB, prisão em flagrante, da fiança paga e, seu curso natural é seguir ao processo, com oferecimento denúncia[2] pelo Ministério Público.
Defesa em caso do crime do Art 306 CTB– absolvição?
Após o término do Inquérito e sua distribuição do Fórum, com indícios de autoria e materialidade, o representante do Ministério Público oferecerá denúncia, imputando ao acusado o crime disposto no Art 306 CTB, especificando data do fato, hora e local e, inclusive, indicando testemunhas.
Nesta mesma oportunidade será juntado aos autos a folha de antecedentes do acusado e há a análise de possibilidade de proposta de suspensão condicional do processo, pois a pena mínima, imposta no Art 306 CTB (seis meses de detenção) não é superior a um ano.
A suspensão condicional do processo é disciplinada no artigo 89, da Lei nº 9.099/95: “nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processo ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77, do Código Penal)”.
Se cabível a proposta, será designada audiência e serão passadas ao acusado todas as medidas a serem cumpridas, em geral, pelo período de dois anos, tais como comparecimento mensal ou bimestral ao cartório criminal para informar local de trabalho, residência, pagamento de prestação pecuniária a entidade que preste serviço assistencial, prestação de serviços à comunidade, entre outras.
Por tratar-se de decisão personalíssima caberá ao acusado dizer se as aceita ou não as medidas propostas. Essas medidas devem ser cumpridas de forma criteriosa, pois, em caso de descumprimento, o processo voltará ao seu trâmite normal, com nova audiência e, sobrevindo sentença condenatória, serão impostas as penas do Art 306 CTB.
Com o cumprimento integral das medidas aplicadas, devidamente comprovadas, a defesa requer a extinção da punibilidade, que passará pela análise do Ministério Público e decisão final do juiz.
No caso de não ser cabível a suspensão condicional do processo, ou até mesmo, do acusado não aceitar a proposta de suspensão, este segue seu curso normal, conforme já explicado e, se restar devidamente comprovada a autoria e a materialidade do crime do Art 306 CTB, certamente virá sentença condenatória, passível de recurso.
A conclusão que se chega, mediante todas as considerações abordadas neste texto sobre o Art 306 CTB, é que nunca se deve dirigir alcoolizado, os riscos são reais, severos e envolvem muito mais do que multa e processos. O risco aqui é a vida de outros e a própria.
Ana Maria Fernandes Ballan da Costa
Cláudia Seixas Sociedade de Advogados
[1] Segundo o site www.portaldotransito.com.br o álcool ainda é uma das principais causas de acidentes de trânsito, mesmo depois de 12 anos de Lei Seca.
[2] A denúncia é a peça inicial da ação penal pública, que é apresentada pelo Ministério Público, através de seu representante, o Promotor de Justiça. A denúncia deve conter a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime (no caso em questão o crime disposto no Art 306 CTB e, quando necessário, o rol de testemunhas. A denúncia precisa apenas de indícios suficientes de autoria e materialidade para ser oferecida.