Estupro de Vulnerável: Vulnerabilidade Passageira e Incapacidade de Oferecer Resistência

 

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Dentre a gama dos crimes contra a dignidade sexual, o Código Penal trata, em seu artigo 217-A, do estupro de vulnerável que pune o agente que pratica conjunção carnal ou outro ato libidinoso contra vítima menor de 14 anos.

O caput do artigo, que trata da idade da vítima, é, portanto, direto e objetivo, não importando eventual consentimento da vítima para a prática do ato, sua experiência sexual anterior ou existência de relacionamento amoroso com o agente, nos termos da Súmula n. 593 do Superior Tribunal de Justiça.

A vulnerabilidade, entretanto, não se restringe à idade da vítima, sendo certo que o §1º. do artigo 217-A discorre sobre as outras formas de vulnerabilidade.

Estupro de vulnerável: outras formas de vulnerabilidade

Dispõe o aludido § 1º. que comete estupro de vulnerável aquele que praticar conjunção carnal ou ato libidinoso contra vítima que por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência”.

Vale destacar que segundo o recente entendimento do STJ, “para fins de caracterização da vulnerabilidade da vítima maior de idade e portadora de enfermidade mental, é permitido ao Magistrado, mesmo que sem a presença de laudo pericial, aferir a existência do necessário discernimento para a prática do ato ou a impossibilidade de oferecer resistência à prática sexual, desde que mediante decisão devidamente fundamentada, atendendo ao princípio do livre convencimento motivado.”[1]

Chama a atenção, todavia, a amplitude das possibilidades compreendidas em não poder oferecer resistência, que adiante serão analisadas a luz da doutrina e da recente jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.

Incapacidade de a vítima oferecer resistência

Plínio de Arruda Gentil, em obra coordenada por Vicente Greco Filho e Mauricio Schaun Jalil ensina que:

“A incapacidade de oferecer resistência, última causa de vulnerabilidade, pode ser permanente ou temporária, duradoura ou ligeira, motivada por causas naturais ou provocada. Nessa condição se encontra quem não pode opor-se à conduta do agente. No caso de haver um mínimo de haver um mínimo de capacidade de resistir e sendo ela vencida pelo sujeito ativo com emprego de alguma fraude, a conduta desloca-se para o crime de violação sexual mediante fraude, do art. 215 do CP.”[2]

Guilherme de Souza Nucci explica que:

“(…) A completa incapacidade torna absoluta a vulnerabilidade; a pouca mas existente, capacidade de resistir faz nascer a relativa vulnerabilidade. Em todas as situações descritas  acerca da vulnerabilidade relativa, pode-se desclassificar a infração penal do artigo 217-A para a figura do art. 215. E, conforme o caso, considerar a conduta atípica. (…)” (Código Penal Comentado. Ed. Forense. 15 ed. Rio de Janeiro. 2015. p. 1106)

Evidente, portanto, que só há vulnerabilidade quando estiver totalmente nula a capacidade da vítima de oferecer resistência ao agressor, condição que deve ser aferida no momento da ocorrência do crime.

Dentre as possíveis causas de incapacidade de se oferecer resistência, surgem como muito comuns – na casuística forense e nos noticiários policiais – o sono e a embriaguez das vítimas.

O sono como causa de incapacidade de a vítima oferecer resistência

O Superior Tribunal de Justiça definiu que o estado de sono, que diminua a capacidade da vítima de oferecer resistência, caracteriza a vulnerabilidade prevista no art. 217-A, § 1º, do Código Penal.

Diz o Superior Tribunal de Justiça:

1. Dispõe o art. 217-A, §1º, do Código Penal, que também se configura o delito de estupro de vulnerável quando é praticado contra pessoa que, “por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.”.

2. Nos termos da jurisprudência desta Corte Superior, o estado de sono pode significar circunstância que retira da vítima a capacidade de oferecer resistência.

3. Considerando que o Tribunal a quo destacou que o paciente iniciou os atos enquanto a vítima estava dormindo, sem poder oferecer naquele momento qualquer resistência, não há ilegalidade a ser reconhecida nessa instância, em especial porque a via do habeas corpus não comporta análise de provas com o fim de alterar o entendimento da Corte de origem e do Juízo de primeiro grau, que têm maior proximidade com os dados fático-probatórios.

4. Agravo regimental não provido.[3]

Fica claro, portanto, que a vulnerabilidade temporária, oriunda do estado de dormência da vítima é, segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, válida para caracterizar o referido elemento do tipo penal em estudo.

Aliás, se após o início do ato a vítima desperta e passa a reagir, tal fato não permite a descaracterização do estupro de vulnerável uma vez que os atos libidinosos praticados durante o sono já são aptos a configurar o referido crime contra a dignidade sexual.

A embriaguez como causa de incapacidade de a vítima oferecer resistência

Para que seja considerada como causa de exclusão da capacidade de resistência da vítima, a embriaguez precisa ser completa e de tal grau que impossibilite a vítima de lutar ou reagir com o agressor.

Evidente que, em havendo um mínimo de capacidade de resistência, o fato de a vítima estar embriagada não configurará o delito descrito no

§ 1º. do artigo 217-A, ou seja, o estupro de vulnerável.

Neste aspecto destaque-se a recente decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal que afastou acusação de estupro de vulnerável em caso onde não restou provada a incapacidade de resistência da vítima decorrente da embriaguez:

Estupro de vulnerável. Embriaguez completa. Provas.  Insuficiência. 1- Para se condenar por crime sexual no caso de vulnerabilidade temporária – embriaguez completa -, necessária prova de que a vítima, no momento do ato, era totalmente incapaz de oferecer resistência. 2 – Sem que realizado laudo pericial, não se pode concluir, com a certeza necessária, que a quantidade de bebida alcoólica consumida pela vítima foi suficiente para retirar por completo sua capacidade de resistir ao ato sexual.  3 – As  circunstâncias do fato — vítima e réu ingeriram juntos bebida alcóolica, residiam  na mesma casa há 15 anos e têm filhos em comum —  deixam  dúvidas sobre o consentimento dessa quanto ao ato sexual —  ela, antes de ir para cama, disse ao réu que iria dormir e recordava do momento do ato sexual, indicando que poderia resistir e não resistiu. 4 – Apelação provida.[4]

Note-se, que muito embora seja causa temporária de vulnerabilidade, tal qual o sono, a embriaguez não configura automaticamente o estupro de vulnerável, uma vez que deve restar demonstrado que a embriaguez foi suficiente para excluir qualquer possibilidade de resistência da vítima.

Portanto, diferentemente da objetividade do caput do artigo 217-A, que trata da idade da vítima, as outras circunstâncias capazes de retirar a resistência da vítima de estupro deverão ser analisadas caso a caso, a fim de que reste provada a eficácia da causa para exclusão do poder de resistência.

 

Tadeu Teixeira Theodoro

Advogado, sócio do escritório Cláudia Seixas Sociedade de Advogados
Especialista em Direitos Humanos pela Universidade de São Paulo – USP

 


[1] (HC 542.030/MS, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 06/02/2020, DJe 14/02/2020)
[2] Código Penal Comentado. Ed. Manole. São Paulo. 2016. p. 618.
[3] AgRg no HC 489.684/ES, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 19/11/2019, DJe 26/11/2019
[4] Acórdão 1245529, 00018390720188070019, Relator: JAIR SOARES, 2ª Turma Criminal, data de julgamento: 23/4/2020, publicado no PJe: 7/5/2020
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