Audiência de custódia – garantia fundamental de presos em flagrante ou cautelarmente

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O presente artigo busca abordar um breve histórico e a importância da realização de audiência de custódia, como forma de assegurar ao preso em flagrante e até mesmo o cautelarmente detido a legalidade da medida extremada, bem como, a oportunidade de ver sua prisão substituída por medidas cautelares menos gravosas, quando estas forem suficientes para assegurar a ordem pública.

Antes de adentrar-se especificamente no tema da audiência de custódia, cabe aqui rememorar o significado da palavra custódia obtido através do nosso vernáculo que, de forma isolada, traz como conceito o “ato ou efeito de proteger, guardar alguém ou algo; proteção, guarda”[1].

Ainda: “estado de quem ou do que está sob a proteção ou guarda de outrem”.

E, tal conceito, não difere do significado jurídico que a palavra custódia representa nas áreas penal e processual penal.

Sempre que nos deparamos com o emprego da palavra custódia, também no mundo das leis, imediatamente somos remetidos ao conceito de guarda e proteção, a qual pode ser relativa a algo ou a alguém.

Exemplificando: no processo penal existe a nominada Cadeia de Custódia que, de forma simplificada, nada mais é do que a guarda das provas durante todo percurso percorrido desde sua apreensão até o seu armazenamento como forma de garantir a legalidade e a proteção dessas provas, neste exemplo, a custódia tem o significado de guarda de coisas dentro do processo penal.

Também, a prisão enquanto medida cautelar ou mesmo com a finalidade de cumprimento de pena é uma das formas de custódia, já que, o preso esta sob a guarda do Estado, cabendo a este, enquanto o repreende sua conduta criminosa privando-lhe da liberdade, garantir sua proteção, neste exemplo, a custódia é direcionada para alguém.

Como se vê o termo custódia, no âmbito penal e processual penal, aparece em situações diferentes, porém sempre remetendo ao cerne do seu conceito que é o de guarda.

Especificamente, como já dito no início, neste artigo será abordado de forma mais pormenorizada o ato processual nominado de Audiência de Custódia.

Da Audiência de Custódia – Conceito

Audiência de custódia trata-se de ato processual consistente na apresentação do preso de maneira célere ao juiz competente oportunizando ao detido apresentar, através de sua oitiva, sua versão sobre os fatos que ensejaram sua prisão, bem como, em que circunstâncias esta ocorreu.

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De acordo com as palavras de Nestor Távora: [2]

“Audiência de custódia é a providência que decorre da imediata apresentação do preso ao juiz. Esse encontro com o magistrado oportuniza um interrogatório para fazer valer direitos fundamentais assegurados à pessoa presa. Deve-se seguir imediatamente após a efetivação da providência cerceadora de liberdade. É um interrogatório de garantia que torna possível ao autuado informar ao juiz suas razões sobre o fato a ele atribuído. Ao cabo, é meio de controle judicial acerca da licitude das prisões.”

Assim, entende-se que, além de ato processual penal a audiência de custódia é direito fundamental assegurado a todo indivíduo preso.

Previsão da Audiência de Custódia em nosso ordenamento jurídico.

A regulamentação sobre a obrigatoriedade da realização das audiências de custódia nos casos de prisão no Brasil foi, de fato, tardia já que somente no ano de 2.015 regulamentou-se a sua obrigatoriedade.

E, diz-se isso, pois tal previsão já existia no corpo da Convenção de Direitos Humanos, conhecida como Pacto de San José da Costa Rica [3], da qual o Brasil é signatário desde 1.992.

De acordo com este Tratado Internacional, precisamente em seu artigo 7º, item 5:

“Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais e tem o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo.”

Embora na letra da norma supralegal, acima transcrita, não haja menção expressa ao termo audiência de custódia o direito inerente a todo indivíduo preso de ser apresentado a autoridade judicial competente, de forma mais célere possível, esta claro e evidente.

Porém, tal norma convencionada no referido tratado, muito embora com força supralegal, não era observada em nosso processo penal.

Somente no ano de 2.015, após o julgamento pelo colendo Supremo Tribunal Federal [4] de Arguição de Descumprimento Fundamental nº 347, sob a relatoria do il. Ministro Marco Aurélio de Mello e promovida pelo Partido PSOL ante a grave situação carcerária vivenciada pelos reclusos em todo Brasil, que as audiências de custódia passaram a ser uma realidade.

Pandemia Dentro do Cárcere

Isto porque, ante o citado julgamento, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) [5] em conjunto de esforços com Tribunal de Justiça de São Paulo [6] e o Ministério da Justiça [7] regulamentaram as audiências de custódia através da Resolução nº 213 datada de 15 de dezembro de 2.015 implementando o Projeto Audiência de Custódia.

Tal resolução impôs a obrigatoriedade da realização da audiência de custódia fazendo, de fato, valer este direito fundamental dos presos em nosso País.

Cita-se o artigo 1º da Resolução 213 do CNJ [8]:

“Determinar que toda pessoa presa em flagrante delito, independentemente da motivação ou natureza do ato, seja obrigatoriamente apresentada, em até 24 horas da comunicação do flagrante, à autoridade judicial competente, e ouvida sobre as circunstâncias em que se realizou sua prisão ou apreensão.”

Então, a partir de 01 de janeiro de 2.016 as audiências de custódia se tornaram obrigatórias no prazo de 24 horas após a prisão em flagrante.

Atualmente a audiência de custódia encontra previsão expressa no Código de Processo Penal decorrente do advento da Lei 13.964/19 [9], conhecida como Pacote Anticrime [10], que trouxe sensíveis mudanças no nosso ordenamento processual penal.

Pela primeira vez a lei traz em seu bojo a previsão expressa da audiência de custódia como denota-se da nova redação do artigo 287 do Código de Processo Penal:

“Se a infração for inafiançável, a falta de exibição do mandado não obstará a prisão, e o preso, em tal caso, será imediatamente apresentado ao juiz que tiver expedido o mandado, para a realização de audiência de custódia.”

 Do ato da audiência de custódia.

Como já dito acima, a audiência de custódia é ato processual no qual todo indivíduo preso deverá ser apresentado ao juiz competente para narrar as circunstâncias em que ocorreu sua prisão e ainda, caso queira, apresentar sua versão dos fatos.

Neste interim um dos primeiros requisitos a ser observado para assegurar direito fundamental do preso é o lapso temporal no qual, impreterivelmente, deverá ocorrer a audiência de custódia, qual seja, 24 (vinte e quatro) horas após a prisão.

Tal prazo já era previsto na Resolução nº 213 do CNJ e após o advento do Pacote Anticrime ganhou força com sua previsão expressa na legislação processual penal, mais precisamente no artigo 310 caput:

“Após receber o auto de prisão em flagrante, no prazo máximo de até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão, o juiz deverá promover audiência de custódia com a presença do acusado, seu advogado constituído ou membro da Defensoria Pública e o membro do Ministério Público e, nessa audiência, o juiz deverá, fundamentadamente:(…)”.

Audiência de Custódia

A inobservância do referido prazo, sem qualquer justificativa idônea, acarretará a autoridade que se omitiu a realização da audiência de custódia, sanções de ordem civil, administrativa e penal.

Também ao ser apresentado para o juiz em audiência de custódia o preso deverá necessariamente estar acompanhado de seu defensor, quer seja este constituído, dativo ou defensor público.

Também participarão da audiência de custódia, além do preso e de seu defensor, o membro do Ministério Público [11] e o Juiz.

Iniciada a audiência de custódia caberá à autoridade judicial entrevistar o preso e lhe questionar se sua prisão ocorreu dentro das circunstâncias legais.

Este questionamento é de suma importância já que, um dos fundamentos da realização da audiência de custódia é averiguar a legalidade da prisão em flagrante excluindo qualquer abuso de autoridade ou tortura do preso durante sua prisão.

Uma prisão em flagrante realizada sob a égide da ilegalidade deverá imediatamente ser relaxada pelo juiz durante o ato da audiência de custódia.

Por tal razão entende-se que a audiência de custódia é ato processual que garante direito fundamental do preso de ter sua liberdade de ir e vir tolhida de forma legal, além de fazer valer a garanti de ter sua integridade física preservada.

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Ainda, após averiguar a legalidade da prisão, caberá ao juiz questionar ao preso se o mesmo foi submetido ao exame de corpo delito e se recebeu tratamento minimamente digno no estabelecimento prisional em que permaneceu detido até a realização da audiência de custódia.

Ato contínuo o membro do Ministério Público e a defesa poderão realizar perguntas ao preso, dentro do contexto fático de sua prisão, sendo que lhe é assegurado o direito constitucional de permanecer em silêncio.

Também, ao parquet [12] e a defesa será concedida a palavra para que se manifestem sobre a necessidade da manutenção da prisão do acusado:

Finalmente, caberá ao juiz decidir se a prisão em flagrante deverá ser:

  1. Convertida em prisão preventiva ante a inconteste presença no caso concreto dos requisitos previstos pelo artigo 312 do Código de Processo Penal.
  2. Substituída por medidas cautelares diversas da prisão
  • Concedida a liberdade ao preso com ou sem fiança cumulada ou não com a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão.

Não se pode perder de vista que a audiência de custódia foi, de fato, inaugurada no Brasil em razão das agruras vivenciadas pela imensa população carcerária do nosso País.

Presos em flagrante esquecidos dentro de penitenciárias e que lá permaneciam aguardando sua oportunidade de estar diante de um juiz por mais tempo até do que a pena aplicada ao delito supostamente cometido.

Dito isto, é obvio que a audiência de custódia tem por finalidade evitar prisões em flagrante ilegais mas, também, evitar prisões provisórias desnecessárias e que só causam mais caos a um sistema carcerário já tão precário.

Não é a toa que nossos Tribunais Superiores tratam a prisão provisória como “ultima ratio[13], isto é, tal medida extremada somente deverá prevalecer quando outras acautelatórias se mostrarem insuficientes para a garantia da ordem pública e da aplicação da lei penal no caso concreto e que tal esta insuficiência seja devidamente fundamentada.

A conversão, da prisão em flagrante para a prisão preventiva somente deverá ser decretada na audiência de custódia em casos extremos, devendo a autoridade judicial sempre primar pela liberdade provisória condicionada ou não a fiança e ou a imposição ao acusado de medidas cautelares diversas da prisão.

As audiências de custódia, sob o cerne pelo qual foram formalmente instituídas em nosso País visam desafogar o sistema carcerário de presos provisórios constituindo garantia ao direito fundamental do direito de ir e vir e da presunção de inocência.

 

Renata Marisa de Melo Cury

Advogada do escritório Cláudia Seixas Sociedade de Advogados

 


[1] Dicionário de Língua Portuguesa do Google – Oxford Languages

[2] TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de direito processual penal

[3] Pacto de San José da Costa Rica

[4] Portal do Supremo Tribunal Federal

[5] Portal do Conselho Nacional de Justiça

[6] Portal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

[7] Portal do Ministério da Justiça e Segurança Pública

[8] Resolução Nº 213 de 15/12/2015 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)

[9] Portal do Planalto

[10] Legislação Pacote Anticrime

[11] Portal do Ministério Público do Estado de São Paulo

[12] Dicionário Jurídico – Direito Net

[13] Portal Significados

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