A Teoria da Pena: teorias, princípios e a sua aplicação no Brasil

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Iniciando o nosso artigo que abordará a teoria da pena, é importante pontuar que em se tratando da esfera penal, em especial nos países ocidentais e, principalmente no Brasil, em que vige o Estado Democrático de Direito, na hipótese de o agente praticar um fato previamente definido pela lei como infração penal, seja através do Código Penal, seja através da legislação penal extravagante, com a previsão da imposição de penas (privativa de liberdade e/ou multa), nasce para o Estado a possibilidade de exercer o seu direito privativo de punir, o ius puniendi.

Dessa forma, em síntese, pode-se traduzir a pena como sendo uma retribuição imposta pelo Estado a alguém, como consequência da prática de uma infração penal cometida por aquela pessoa, tanto para que a sociedade não transgrida a norma penal, quanto para que o agente não torne a transgredi-la.

Contudo, é de extrema importância ressaltar que as penas às quais o agente que praticou o fato delituoso está sujeito são restritas às previstas no tipo penal, não sendo, portanto, de aplicação automática, dependendo da observância de importantes princípios, como o princípio da reserva legal; o princípio da anterioridade da lei penal; princípio da proporcionalidade; princípio da individualização da pena; princípio da dignidade da pessoa humana; dentre outros princípios de suma importância.

É de grande importância compreender que a teoria da pena envolve diversas teorias que buscam estudar, compreender e definir a sua finalidade, seguindo óticas distintas, porém, todas de grande relevância para que se entenda a evolução do pensamento humano sobre a finalidade da pena, inclusive a sua aplicação no Brasil, sendo certo que algumas das teorias da pena nós passaremos a estudar a seguir.

Entenda o que é a Teoria Agnóstica da Pena:

No estudo da teoria da pena, é de grande importância compreender a teoria agnóstica da pena [1], desenvolvida pelo renomado jurista argentino Eugenio Raúl Zaffaroni [2], um dos principais nomes do Direito Penal.

A pena e seus objetivos: análise teórica e crítica

Segundo a teoria agnóstica da pena, a pena apenas cumpriria a função de degenerar as pessoas que vierem a transgredir a norma penal e a ela forem submetidos, uma vez que haveria uma comprovação empírica acerca da impossibilidade de ressocialização dos apenados, nos atuais moldes das demais teorias da pena.

Dessa maneira, a ideia de que a pena teria duas funções, quais sejam, retribuição e prevenção – geral e especial, seria falsa, servindo apenas para objetivos ocultos.

De acordo com a teoria agnóstica da pena, parte-se do pressuposto de que a pena seria, na realidade, um ato de poder político com fundamentos similares, juridicamente falando, à guerra declarada, de modo a refutar as funções de mera retribuição e prevenção.

Para essa teoria, o conceito de pena não seria jurídico, mas político, assim como o da guerra. Assim, afastando o que se chama de legitimidade jurídica e aproximando a pena da ideia de ser ato de poder político, os juristas que defendem a teoria buscam conter o poder punitivo com a potencialização de um Estado Democrático, uma vez que haveria margem de, politicamente, desenvolver políticas públicas calcadas o humanismo.

Assim, a pena deveria ser instrumento de negação da vingança, lida como a limitação ao poder punitivo, inexistindo negativa do Estado Policial, menos ainda do Estado de Direito, pois ambos coexistem e são necessários, não se tratando, portanto, de uma teoria abolicionista, mas que, pela teoria agnóstica da pena, tem-se a ideia de restringir o Estado Policial e maximizar o Estado de Direito.

Essa foi a primeira das teorias que estudaremos no nosso artigo sobre teoria da pena.

O que é a Teoria Absoluta da Pena ou Teoria Retributiva da Pena?

Prosseguindo o nosso estudo sobre teoria da pena, segundo a teoria absoluta da pena ou teoria retributiva da pena, o agente que praticar o delito será punido exclusivamente pelo fato de ter delinquido, ou seja, a pena visa retribuir o agente pela prática do crime.

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Desse modo, a teoria absoluta da pena (ou teoria retributiva da pena) visa tão somente à imposição de pena como retribuição ao mal causado, tratando-se de consequência lógico-jurídica pelo descumprimento da lei penal.

Nesse sentido, ao lecionar sobre teoria da pena, o jurista Rogério Greco [3] ensina que:

“Na reprovação, segundo a teoria absoluta, reside o caráter retributivo da pena. Na precisa lição de Roxin:

“A teoria da retribuição não encontra o sentido da pena na perspectiva de algum fim socialmente útil, senão em que mediante a imposição de um mal merecidamente se retribui, equilibra e expia a culpabilidade do autor pelo fato cometido. Se fala aqui de uma teoria ‘absoluta’ porque para ela o fim da pena é independente, ‘desvinculado’ de seu efeito social. A concepção da pena como retribuição compensatória realmente já é conhecida desde a antiguidade e permanece viva na consciência dos profanos com uma certa naturalidade: a pena deve ser justa e isso pressupõe que se corresponda em sua duração e intensidade com a gravidade do delito, que o compense.”” [4]

Ainda segundo o autor, desde que a pena seja privativa de liberdade, ou seja, que o autor do delito cumpra prisão no cárcere, a finalidade da teoria retributiva da pena (ou teoria absoluta da pena) tende a ser de satisfazer a sociedade por caracterizar uma espécie de “compensação” por parte do infrator condenado, uma vez que em caso de sanção somente a penas restritivas de direito e/ou de multa gerariam a sensação de impunidade, pois o agente permaneceria em liberdade após o descumprimento à lei penal, mesmo depois de condenado.

Diante disso, verifica-se que a teoria absoluta da pena ou teoria retributiva da pena se esquiva da política criminal, pois sua única função é punir o transgressor da norma, não levando em consideração a necessidade da sua recuperação e posterior reinserção na sociedade.

Estudando a teoria da pena é possível verificar que essa teoria não se encaixa em uma política criminal adequada em razão de se saber que a imposição ao cárcere não é o remédio contra a criminalidade.

Entenda a Teoria Relativa da Pena:

Aprofundando o nosso artigo sobre teoria da pena, é importante verificar que, de maneira diversa da teoria retributiva da pena (teoria absoluta da pena), a teoria relativa da pena não se fundamenta no caráter retributivo do fato criminoso praticado, mas preventivo.

Ou seja, de acordo com a teoria relativa da pena, busca-se, com a sanção, prevenir a ocorrência de novos fatos delituosos.

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Ao ensinar sobre teoria da pena, Cezar Roberto Bitencourt [5] aponta que para a teoria relativa da pena, a pena se impõe para que não se volte a praticar delitos, de modo que a pena deixa de ser concebida como um fim em si mesmo e passa a ter a função de meio para prevenir a criminalidade.

Aqui, assim como na teoria absoluta da pena, a pena também é considerada um mal necessário, porém, não com a finalidade de se fazer justiça, mas de ressocializar e inibir a prática de novos delitos (reincidência). [6]

Por esse motivo, a teoria relativa da pena também é conhecida como teoria utilitarista, pois a pena passa a ter uma função além da punição pela prática do crime.

Ao estudar sobre a teoria da pena, é importante compreender que a teoria relativa da pena é dividida em prevenção geral (positiva e negativa), que se dirige à sociedade, e prevenção especial (positiva e negativa), que se dirige ao condenado pela prática da infração penal e passaremos a estudá-las a seguir:

Teoria da Pena: Teoria Relativa da Pena –> Prevenção geral negativa

Na prevenção geral negativa, a pena imposta ao autor do delito tende a refletir na sociedade de modo que as demais pessoas, ao verificarem a condenação de alguém pela prática do crime e a consequente aplicação da pena, se veem intimidadas e ponderam antes de cometer alguma infração penal. Ou seja, trata-se da prevenção por intimidação.

Teoria da Pena: Teoria Relativa da Pena –> Prevenção geral positiva

Já na prevenção geral positiva, não se busca intimidar a sociedade em razão da aplicação da pena ao agente que delinquiu, mas sim a reafirmação do direito penal que fora violado através da prática do delito, ou seja, o objetivo é a busca à estabilidade do ordenamento jurídico.

Segundo Bitencourt ao lecionar sobre teoria da pena, na teoria relativa da pena, a prevenção geral especial propugna três efeitos distintos, sendo eles a aprendizagem através da motivação pedagógica dos membros da sociedade; a reafirmação da confiança no Direito Penal; e a pacificação social, quando a aplicação da pena é vista como solução ao conflito gerado pela prática do delito.[7]

Teoria da Pena: Teoria relativa da pena –> Prevenção especial negativa

Falando em teoria relativa da pena, temos a prevenção especial, onde a pena se dirige à pessoa que praticou o crime e, ao se falar na prevenção especial negativa, destaca-se que o objetivo é evitar a reincidência, punindo o agente (com a aplicação da pena) para que ele não torne a infringir a lei penal, ou seja, o agente será punido para que não mais desobedeça a lei penal.

Teoria da Pena: Teoria relativa da pena –> Prevenção especial positiva

Finalmente, a prevenção especial positiva, dirigida ao agente que praticou o delito, expressa o caráter ressocializador da pena, a aplicação da pena possui o objetivo de que o infrator repense o ato delituoso por ele cometido e suas consequências, de modo que não torne a desrespeitar a lei penal.

Teoria Mista da Pena ou Teoria Unificadora da Pena, o que é?

Chegamos a um ponto muito importante do artigo sobre teoria da pena! Depois de entender o que é a teoria agnóstica da pena, a teoria absoluta da pena ou teoria retributiva da pena, e a teoria relativa da pena, é de grande importância a compreensão da teoria mista da pena ou teoria unificadora da pena.

Para essa teoria, busca-se agrupar num conceito único os principais aspectos da teoria absoluta da pena ou teoria retributiva da pena, e da teoria relativa da pena, fazendo com que a sanção tenha um resultado mais positivo para a sociedade, para o agente transgressor da norma penal e também para o Direito Penal.

O que nos leva a concluir que a teoria mista da pena é, realmente, um misto entre a teoria absoluta/retributiva e a teoria relativa da pena, é o fato de que, aqui, a pena tem a finalidade de retribuir proporcionalmente o mal causado pela prática do delito, bem como de prevenir a prática de novos delitos e promover a ressocialização do agente.

A aplicação da Teoria da Pena no Brasil:

 

Finalizando o nosso estudo sobre teoria da pena, com relação à aplicação da teoria da pena no Brasil, deve-se ressaltar que existem três correntes distintas e que serão brevemente expostas.

A primeira corrente entende que, no Brasil, houve a adoção da teoria mista da pena (ou teoria unificadora da pena), uma vez que, a partir da alteração legislativa sofrida pela Lei 7.209 de 1984 [8], o artigo 59, caput, do Código Penal passou a apresentar natureza mista, com a seguinte redação:

Art. 59 – O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime.

Audiência de Custódia

Diante do previsto no artigo 59 do Código Penal, acima transcrito, pergunta-se: O que se quer dizer com isso?

Em se falando de teoria da pena, de acordo com o ensinamento de Rogério Greco[9], em síntese, quer-se dizer que o legislador originário estabeleceu expressamente em lei, no artigo 59, caput, do Código Penal, que a pena no Brasil tem por objetivo tanto a reprovação ao descumprimento da norma penal (teoria absoluta da pena ou teoria retributiva da pena), quanto a prevenção da ocorrência de novos delitos (teoria relativa da pena). [10]

Já a segunda corrente entende que o Código Penal não se pronunciou de maneira expressa sobre qualquer teoria da pena, ao tratar da finalidade da pena.

Finalmente, a terceira e última corrente afirma que, ao tratar sobre a teoria da pena no Brasil, a pena possui tríplice finalidade, sendo elas a retributiva, a preventiva e, mais recentemente, a finalidade reeducativa.

A inserção da finalidade reeducativa da pena vem em um momento em que se passa a discutir acerca da necessidade de que o agente condenado pela prática de um crime, e que tenha privada a sua liberdade, deva, durante o cumprimento da sanção a ele imposta, receber tratamento e meios adequados (educação, aprendizagem de ofícios e socialização), seguindo princípios ligados à dignidade da pessoa humana e diretrizes para uma política criminal eficiente, e que possibilitem a sua reinserção gradual na sociedade de modo a garantir o seu sustento sem a necessidade de fazer do crime o seu meio de vida, o seu ganha-pão.

 

 Fernando Jorge Roselino Neto

Advogado, sócio do escritório Cláudia Seixas Sociedade de Advogados

 


[1] Teoria Agnóstica da Pena – Blog EBEJI (acesso em 06/01/2021)

[2] ZAFFARONI, Eugênio Raul; BATISTA, Nilo. Direito Penal Brasileiro I, rio de Janeiro, Revan, 2003.

[3] Site Rogério Greco (acesso em 06/01/2021)

[4] GRECO. Rogério, Curso de Direito Penal, parte geral. Volume 1. Ed. Impetus. 18ª Edição, revista, ampliada e atualizada. 2016. P. 585.

[5] Site Cézar Bitencourt (acesso em 06/01/2021)

[6] BITENCOURT. Cezar Roberto, Tratado de Direito Penal. Parte Geral. 19ª Edição, revista, ampliada e atualizada. Editora Saraiva. 2013. P. 142.

[7] BITENCOURT. Cezar Roberto, Tratado de Direito Penal. Parte Geral. 19ª Edição, revista, ampliada e atualizada. Editora Saraiva. 2013. P. 143.

[8] Lei 7.209 de 1984 (acesso em 06/01/2021)

[9] Site Rogério Greco (acesso em 06/01/2021)

[10] GRECO. Rogério, Curso de Direito Penal, parte geral. Volume 1. Ed. Impetus. 18ª Edição, revista, ampliada e atualizada. 2016. P. 587.

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