Treze anos de Lei Maria da Penha

Maria da Penha
Foto: Instituto Maria da Penha

Em outubro de 2019, a tão falada Lei Maria da Penha completou 13 anos de vigência em nosso país. Com ela almejava-se mudar o comportamento da população para reduzir o número de agressões ocorridas no âmbito doméstico e familiar contra a mulher.

Infelizmente, após mais de uma década em vigor, apesar de ser tema recorrente nos noticiários policiais, indicando que, cada vez mais, o assunto deve ser debatido e discutido pela sociedade moderna, buscando-se a conscientização da população, senão pela educação, pela punição exemplar no âmbito da justiça criminal, o resultado da aplicação da mesma, em muitos aspectos, ainda deixa (e muito) a desejar.

Sem o intuito de esgotar o tema, pois o espaço não permite, pretende-se indicar o exemplo da lacuna legislativa existente para se punir a violência psicológica que muitas mulheres sofrem, diariamente, e sequer sabem da existência, pois muitas vezes ela vem mascarada pelo ciúmes.

O que poucos sabem (ou lembram) é que a lei traz em seu texto a violência psicológica “entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe causa prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação”.

Dados do Sinan (Sistema de Informação de Agravos de Notificação), do Ministério da Saúde, mostram que, somente em 2017, último ano com números disponíveis, houve 78.052 casos de violência psicológica em todo o país tendo sido as mulheres, vítimas em 81% desses casos[1]. Essas vítimas, apesar de não terem sofrido agressão física, têm sequelas causadas pelos abusos emocionais e, portanto, foram vítimas da denominada violência psicológica.

Apesar de a lei trazer em seu corpo a definição do que se entende por violência psicológica, e o faz de forma bem ampla, ainda há uma grande dificuldade no campo da punição, pois, qualquer conduta para ser considerada típica, mesmo no âmbito da Lei Maria da Penha, precisa estar prevista na legislação penal. Ocorre que hoje, não existe crime de violência psicológica puro e simples, o que torna esse tipo de violência residual, configurando crimes não específicos de violência psicológica, tais como ameaças, constrangimento ilegal ou outras figuras existentes na lei penal, como injúria e difamação.

Salienta-se a título de curiosidade que há um entendimento doutrinário segundo o qual a violência psicológica deverá ser considerada crime de lesão corporal. Tal entendimento surgiu em 2017 na obra denominada “Dano Psíquico Como Crime de Lesão Corporal na Violência Doméstica[2]”de autoria de Ana Luísa Schimdt Ramos, Juíza em Florianópolis.

Em tal obra defende-se a tese de que mulheres vítimas de violência doméstica, mesmo as que não sofrem agressão física, podem apresentar um quadro de stress pós-traumático (distúrbio que consta da Classificação Internacional das Doenças da OMS) e que, entre os sintomas estão o isolamento social, quando as pessoas fogem de situações e de lugares por medo de reviver traumas, flashbacks, pesadelos e crises com sintomas que vão de taquicardia à tontura.

A prova do abuso emocional, ou seja, a materialidade, precisa ser feita através da elaboração de laudo psicológico ou psiquiátrico que vai comprovar o dano psíquico. Todavia esse dano não é de fácil constatação como quanto uma escoriação ou um hematoma, ou seja, a avaliação deve ser minuciosa e necessita de mais de um encontro com a vítima.

Paralela a esta questão outra se faz ululante narrar neste breve artigo, pois, atualmente, está ganhando maior relevo e destaque.

Em tempos de pandemia e isolamento social (vivenciados pelo mundo e pelo Brasil, especificamente, desde março) a violência doméstica intensificou-se ainda mais, mostrando uma realidade triste e cruel. De acordo com o Núcleo de Gênero e o Centro de Apoio Operacional Criminal (CAOCrim) do Ministério Público de São Paulo, em um mês, houve aumento de 30% dos casos, sendo que, em março foram decretadas 2.500 medidas protetivas em caráter de urgência e, no mês anterior, foram 1934[3].

Em recente julgado, de 12 de maio, p.p., a 6ª Turma do STJ negou provimento ao recurso no qual um homem pedia a revogação da prisão preventiva[4], em caso de violência doméstica. Neste caso, o homem foi preso após ter desobedecido as medidas protetivas e estuprado a ex-companheira. A Ministra Laurita Vaz, em seu voto, negou provimento ao recurso e chamou a atenção para os números estarrecedores de violência contra a mulher: “eu estou querendo fazer um acréscimo nesse voto para dizer que nós estamos assistindo, diuturnamente, os índices de violência contra a mulher crescer em ritmo assombroso, o que tem se agravado com a necessidade de isolamento social recomendado pelas autoridades médico sanitárias. O poder judiciário quando é chamado a intervir quase sempre se depara com uma situação de violência escalonada contra a mulher. Começa com ameaças, agressões verbais, passando por vias de fato, até alcançar crimes mais graves, como foi no caso aí. Se o Estado Juiz não tomar, em tempo oportuno, medidas mais enérgicas, o resultado é bastante previsível, está estampado nos números estarrecedores de agressões e feminicídios que o Brasil, vergonhosamente, ostenta…

Importante registrar que, atentos ao crescente número de casos de violências domésticas, incluiu-se a possibilidade de ser lavrado de forma eletrônica boletins de ocorrência narrando tais fatos o que, sem sombra de dúvidas, será de grande valia para as vítimas destes crimes.

Finalizando, fato é que, apesar de a Lei Maria Penha ter completado 13 anos, ainda há muito a ensinar, e mais ainda, a ser aprendido. A lacuna para a punição da violência psicológica está longe de ser preenchida e os casos de violência contra a mulher, de modo geral, infelizmente, está em uma curva ascendente. Tais constatações merecem atenção de todos os operadores do Direito para que a lei seja devidamente aplicada e os agressores devidamente punidos.

      Ana Maria Fernandes Ballan da Costa

Advogada do escritório Cláudia Seixas Sociedade de Advogados



[1] A dor da alma: Explícita na Lei Maria da Penha, violência psicológica faz 50 mil vítimas entre mulheres por ano, mas ainda não conta com punição – artigo retirado do site www.generonumero.media/violencia-psicológica, acesso em 12 de abril de 2020.
[2] Schmidt Ramos, Ana Luísa, “Violência Psicológica Contra a Mulher, o dano psíquico como crime de lesão corporal, 2ª ed, EMais Editora & Livraria Jurídica, 2019.
[3] Retirado do site g1.globo.com/sp, em 13 de maio de 2020. Matéria de 13 de abril de 2020.
[4] RHC nº 118.678, Relator Ministro Sebastião Reis Júnior, 6ª Turma, 12/05/2020 – vídeo do julgamento disponível no Migalhas, em 13 maio de 2020.
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