Há pouco mais de dois anos iniciei minha jornada na tão almejada advocacia criminal. Embora seja um período curto de atuação, tive a oportunidade de analisar inúmeras decisões de prisões preventivas embasadas no requisito da garantia da ordem pública.
Essa situação sempre me fez pensar e refletir muito. Ora, seria constitucional prender preventivamente um indivíduo a fim de garantir a ordem pública? Mesmo tratando-se de um termo tão vago e amplo? No meu entender não – e afirmo: esse requisito não tem natureza cautelar.
Digo isso, porque a prisão preventiva é uma modalidade de constrição prematura que tem como finalidade garantir a eficiência e eficácia do processo penal, isto é, são decretadas em desfavor de indivíduos que demonstram a intenção de coagir testemunhas, de obstruir provas, de se furtarem do distrito da culpa etc. Estes são exemplos de situações concretas que dão ensejo à prisão preventiva, os quais preenchem os requisitos da conveniência da instrução criminal e o de assegurar a aplicação da lei penal, previstos no artigo 312 do Código de Processo Penal.
No entanto, o requisito da garantia da ordem pública está longe de ter do objeto dar efetividade à lei. Ora, referido requisito não possui conceito determinado e é utilizado, na maioria das vezes, como se fosse uma “carta coringa” nas mãos do juiz que a decreta. Na prática forense, os magistrados de piso, a fim de justificarem o preenchimento desse requisito, alegam que a prisão dever ser decretada para evitar a reiteração criminosa por parte do acusado, em razão do clamor público, para garantir a integridade das instituições, pela periculosidade do delito, entre outros. Ou seja, fundamentos vagos e abstratos.
Não se pode permitir que um indivíduo seja preso preventivamente objetivando a não reiteração criminosa. Ora, isso, sem sombras de dúvidas, é permitir que as prisões sejam decretadas a partir de meras ilações e conjecturas. O fato de uma pessoa estar respondendo um processo penal não significa que ela, obrigatoriamente, irá praticar novos crimes. Como já dito acima, a função das prisões cautelares é resguardar a eficácia do processo penal. Ora, ao utilizar esse fundamento estar-se-á praticando verdadeira conjectura, porque a prática de um suposto novo delito, que poderia gerar uma nova ação penal, estaria apenas no imaginário do magistrado, sendo que, repisa-se, a finalidade da prisão cautelar não é essa!
De igual forma, não é certo decretar a prisão de um indivíduo pelo fato de ele ter praticado um crime considerado grave. Isso porque, o tipo penal imputado em desfavor do réu/investigado, por si só, não tem o condão de fundamentar a prisão preventiva do acusado, uma vez que por mais grave que o crime seja, se o denunciado não demonstrar de forma concreta que colocaria em risco a eficácia do processo se o respondesse em liberdade, sua prisão seria indiscutivelmente arbitrária.
Os dois pontos acima rebatidos estão umbilicalmente ligados com a intenção do judiciário de resguardar a integridade das instituições e dar respaldo ao clamor público. Se curvar a essa situação seria concordar com a desvirtuação da finalidade das prisões cautelares, isto é: prender a fim de antecipar a pena do acusado – constituindo o famigerado Direito Penal do Inimigo – ao invés de prender para garantir a instrumentalidade do processo penal.
Em relação a esse tema, o Desembargador aposentado Odone Sanguiné afirma que quando as prisões preventivas são decretadas para combater a delinquência, para que os cidadãos acreditem na justiça e para dar resposta ao clamor público são introduzidos elementos estranhos à natureza cautelar e processual das prisões e conclui que são “questionáveis tanto desde o ponto de vista jurídico-constitucional como da perspectiva político-criminal. Isso revela que a prisão preventiva cumpre funções reais (preventivas gerais e especiais) de pena antecipada incompatíveis com sua natureza [1]”.
Não se pode olvidar que a função do processo penal também é garantir a paz e a tranquilidade social de toda a população; no entanto, para que esse objetivo seja alcançado a “moeda de troca” não deve ser a liberdade de indivíduos que não tiveram sequer sua culpabilidade devidamente auferida. Frisa-se: permitir isso seria caminhar na contramão das garantias conquistadas por meio do Estado Democrático de Direito e negar vigência ao princípio constitucional da presunção de inocência.
Portanto, pode-se concluir que: se as prisões preventivas decretadas com a intenção de garantir a ordem pública, além de não possuírem natureza cautelar, também não respeitam devidamente os ditames positivados na Carta Magna, não deveriam ser consideradas constitucionais, pois antecipam a pena do acusado.
Gustavo dos Santos Gasparoto
Advogado do escritório Cláudia Seixas Sociedade de Advogados