A superexposição na mídia televisiva de réus e investigados em detrimento à Lei e à Constituição Federal

superexposição na mídia televisiva

Impossível nos dias atuais imaginar a vida e a busca por informações e notícias, desassociadas da mídia televisiva e de seus telejornais que alcançam, diariamente, milhões de pessoas em todo o Brasil.

Também, não se pode negar que, em razão de seu alcance, a responsabilidade pelas notícias e informações veiculadas é muito grande e deve, por isso, estar sobre a constante vigilância do Poder Público.

Tal vigilância de conteúdo se justifica para evitar conteúdos degradantes e agressivos à dignidade alheia, e não deve ser confundida com censura, em razão de as emissoras de Televisão serem concessionárias de um serviço Público, estando, portanto, submetidas às regras especificas de moralidade que, certamente, afetam referido conteúdo.

Ocorre que, dia a dia, sob a égide da liberdade de imprensa e do direito de informar, as emissoras de televisão desrespeitam uma série de direitos constitucionais, como, por exemplo, a privacidade e a intimidade, expondo, ridicularizando e condenando indivíduos que se vêm envolvidos em investigações e processos penais.

Não se questiona, obviamente, a possibilidade de se noticiar a ocorrência de crimes, mas sim a forma como as notícias são transmitidas e as consequências oriundas de tais reportagens.

Nunca é demais lembrar o emblemático caso da Escola Base, ocorrida em São Paulo, no qual funcionários e professores foram acusados, por toda mídia, “sem toga, sem corte e sem qualquer chance de defesa”, de praticarem atos de pedofilia com seus alunos. Absolvidos pela Justiça, tais pessoas ganharam o direito a indenizações milionárias da mídia que, irresponsavelmente, lhes destruiu a vida.[1]

Jamais se saberá se as indenizações foram suficientes para a reparação dos danos causados.

Nos dizeres do ilustre professor da Universidade Federal de Minas Gerais, Dr. Túlio Viana:

“O uso da imagem como estratégia discursiva tem como pretensão não apenas denunciar os crimes ou torná-los conhecidos pelo grande público, mas também busca promover o papel simbólico dos programas como a instância social capaz de controlar, fiscalizar e promover o bom funcionamento da Justiça, tão falha e incompetente.”[2]

Sob tal égide, portanto, a mídia televisiva justifica sua má atuação e o desrespeito aos direitos constitucionalmente garantidos aos indivíduos, mostrando-se como a única fonte capaz de desmascarar e punir os criminosos que assolam o país.
A busca pela audiência, contudo, é o que coloca o lucro à frente da honra, da imagem e da privacidade dos indivíduos.

“Tudo se dá como se a liberdade de imprensa constitucionalmente assegurada fosse uma carta branca concedida a jornalistas para achincalhar a imagem de cidadãos que são presumidos inocentes até o trânsito em julgado da sentença penal.”[3]

David Garland explica que, amparada nas altas taxas de criminalidade, a televisão, com intuito lucrativo, cria e enaltece um sentimento de vingança na população, que passa a admitir esse verdadeiro suplício moderno.

“Parcialmente inconscientes, los miedos y resentimientos, que son una carcterística de la vida en las sociedades con tasas de delito elevadas, encuentran una via de expresión cultural em la pantalla de televisión. Allí se representan, bajo la forma de dramas de venganza e historias com moraleja, narraciones de delitos y castigos (…)”[4].

Contudo, além de moralmente questionável referida conduta da mídia televisiva é certamente inconstitucional e ilegal.
Diz-se isso, pois a Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso X, definiu a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas.

Da mesma forma, especificamente com relação aos presos, a Lei de Execuções penais, em seu artigo 41, VIII veda a exposição pessoal do detento a qualquer tipo de sensacionalismo.

Não obstante referida vedação à exposição de réus e investigados, fato é que o escárnio e as condenações midiáticas acontecem diuturnamente, sem que as autoridades cogitem fazer cessar referida conduta.

Agrava-se a situação quando a exposição dos réus e investigados, bem como dos termos dos processos e Inquéritos Policiais, ocorrem por parte de agentes públicos que, furtando-se ao cumprimento da lei, buscam a mídia para promover seu trabalho, em uma suposta resposta à sociedade que clama por segurança pública.

Não é raro Promotores e Delegados de Polícia buscarem a mídia e, com o fito de levarem informação à população, tratarem de detalhes de processos e Inquéritos, expondo além dos réus e investigados, as vítimas e seus familiares.

Tal fato se torna ainda mais grave quando a exposição se dá no seio de processos ou Inquéritos Policiais que tramitam de forma sigilosa. Sendo de destaque, ainda, situações em que as informações referentes a provas e andamentos processuais chegam antes à imprensa do que aos advogados regularmente constituídos, que, por vezes, têm o acesso ao conteúdo das investigações negado, ainda que referido acesso aos autos lhes seja assegurado e sumulado.

Ora, o segredo de Justiça vincula a todos no processo penal, não sendo permitido a uma das partes ou a quem venha, em razão de seu ofício, tomar conhecimento dos autos, revelar seu conteúdo, ainda que com o fito informativo ou sob o manto da liberdade de imprensa.

A lei, contudo, também impõe responsabilização aos agentes públicos que descumprirem o dever de sigilo, como, por exemplo, a Lei Complementar 75/93 que impõe aos membros do Ministério Público da União guardar segredo sobre assunto de caráter sigiloso que conheça em razão do cargo ou função” (artigo 236, II). Sendo que a pena em caso de descumprimento de referido dever é a demissão, conforme o artigo 240, V, f, da mesma Lei.

Essa superexposição dos réus e investigados pela mídia, portanto, deve ser coibida, mas não apenas através de medidas que atinjam a mídia televisiva, mas também – e principalmente –, através de medidas que atinjam e visem punir aos agentes públicos que, não cumprindo com seu dever, levam tais fatos à imprensa e expõem, em ofensa à honra, à intimidade e à presunção de inocência os cidadãos, que se revestem na qualidade de réus e investigados no Processo Penal.

Tadeu Teixeira Theodoro

Advogado do escritório Cláudia Seixas Sociedade de Advogados

 


[1] http://www.pragmatismopolitico.com.br/2012/12/caso-escola-base-rede-globo-e-condenada-pagar-r-135-milhao.html
[2] VIANNA, Tulio e SARKIS, Jamilla. Execrando suspeitos para atrair audiência: o usos de concessões públicas de TV para a prática de violações do direito constitucional à imagem. In Coord. Clémerson Merlin Cléve, Alexandre Freire. Direitos Fundamentais e Jurisdição Constitucional. 1 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 826.
[3] Idem. p. 827.
[4] GARLAND, David. La cultura del control: Crimen y orden social em la sociedade contemporânea. 1 ed. Barcelona: Gedisa Editorial, 2005. p. 262.

Compartilhar no facebook
Facebook
Compartilhar no twitter
Twitter
Compartilhar no linkedin
LinkedIn

Receba informações sobre assuntos jurídicos por e-mail

Preencha o formulário a seguir e inscreva-se em nossa Newsletter para receber conteúdos exclusivos!