A Garantia da Execução Fiscal e a Necessidade de Suspensão do Procedimento Criminal

Execução Fiscal

Como se sabe, a ocorrência de quaisquer delitos contra a ordem tributária pressupõe a existência concomitante de um auto e infração e imposição de multa, o qual, invariavelmente, desemboca num procedimento administrativo fiscal e, posteriormente – findo tal procedimento sem pagamento e inscrito o crédito em dívida ativa – de uma execução fiscal para cobrança do título executivo formado extrajudicialmente.
Nesse contexto, são inúmeras as animosidades e discussões acerca dos reflexos penais no que toca a negociação do crédito tributário na seara fiscal.

Isso porque nos chamados crimes tributários, o objeto imediato de proteção penal, ou seja, o bem jurídico tutelado pela norma incriminadora consiste, materialmente, no patrimônio administrado pela Fazenda Pública, na sua faceta de ingressos e gastos públicos.”[1]

É dizer, portanto, que o juízo de (des)valor a ser feito em delitos desse jaez se consubstancia, peremptoriamente, no patrimônio público compreendido pela receita tributária,  em prol da pretensão arrecadadora do Estado.

Bem por isso, a ordem jurídica pátria, especificamente sobre a temática posta em debate, traz em seu bojo algumas alternativas de “regularização fiscal” com impacto imediato no processo penal correspondente, a fim de “motivar o autor do crime a assumir um comportamento político-criminalmente valioso, com a promessa da impunidade”.[2]

Nesse sentido, são diversos os dispositivos que preveem a extinção da punibilidade do agente, em razão do pagamento integral do crédito tributário e seus acessórios até o recebimento da denúncia, assim como, a suspensão da pretensão punitiva estatal pela adesão a programas de parcelamento do referido crédito. Cita-se, exemplificativamente: artigo 34, da Lei n.º 9.249/95 e artigo 68 da Lei 11.941/2009.

No entanto, até o momento, o arcabouço legislativo nacional queda-se silente em relação a mandamentos legais que disciplinam a repercussão penal em face de garantias em sede de execução fiscal, o que – no sentir da defesa técnica criminal – constitui lacuna legislatória passível de controle e regulamentação.

Ora, no caso hipotético do contribuinte/réu que garante suficientemente à execução fiscal por qualquer meio possível (nomeação de bens à penhora, fiança bancária, etc) a fim de viabilizar a apresentação de embargos à execução ou ajuizamento de outra modalidade de ação judicial tributária, questiona-se: Qual é a eficácia da instauração de um processo criminal, se ao final da discussão fiscal (em caso de razão assistir à Fazenda) será aquela garantia convertida em renda para pagamento dos tributos devidos?

Por um raciocínio teleológico, à luz do bem jurídico tutelado pelas normas que tipificam os crimes contra a ordem tributária, a resposta é uníssona: nenhuma.

Nessa direção, o eg. Superior Tribunal de Justiça já decidiu, excepcionalmente, que não há “razões que justifiquem a manutenção do processo criminal, pois em qualquer das soluções a que se chegue no juízo cível ocorrerá a extinção da ação penal, motivo pelo qual se mostra razoável o seu trancamento”[3]

Entretanto, no cotidiano da praxis jurídica contenciosa criminal, lamentavelmente, não é isso que se vê. São raras as decisões como a que se colacionou acima, estando o entendimento jurisprudencial predominante de nossos Tribunais em posição diametralmente oposta ao paradigma acima trazido.

De bom alvitre registrar que não se desconhece o comando esculpido pelo artigo 93 do Código de Processo Penal que admite ser facultativa a possibilidade de suspensão do processo-crime, enquanto pendente de solução controvérsia na esfera cível, nem mesmo a consabida independência das instâncias penal e tributária.

Todavia, tais disposições não podem se sobrepor a direitos e garantias fundamentais, de amplitude político-constitucional e, inerentes a todos os jurisdicionados em face do jus puniendi estatal, sob pena de ferir de morte princípios basilares do Estado Democrático de Direito, como a própria dignidade da pessoa humana, o sagrado direito de locomoção e, sobretudo (tantas vezes esquecida) presunção de inocência.

Até porque as agruras e dissabores de responder a uma persecução penal são imensuráveis e a inclusão desnecessária de um cidadão no banco dos réus traduz flagrante constrangimento ilegal a assolar seu status dignatis libertatis.

Com efeito, conclui-se pela extremada necessidade de normatização de medidas “despenalizadoras”, ou ao menos uma guinada jurisprudencial nesse sentido, notadamente, em casos como o da situação hipotética acima narrada, evitando não só a utilização leviana do processo penal, como apêndice do direito tributário para indistintamente pressionar os contribuintes através da chamada ultima ratio, mas também como forma de refrear a dispendiosa movimentação da máquina judiciária de maneira precoce, injustificada e inócua.

José Francisco Porto Bobadilla
Advogado do escritório Cláudia Seixas Sociedade de Advogados

[1] BITENCOURT, Cezar Roberto. Crimes contra a ordem tributária. São Paulo. Saraiva. pag. 36
[2] Op. cit. pág. 83.
[3] HC nº 155.117/ES. 6ª Turma. Min. Rel. HAROLDO RODRIGUES (Desembargador convocado do TJ/CE. Dje 03.05.2010.
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