Da Possibilidade / Necessidade do Sobrestamento do Processo Administrativo Disciplinar Face à Tramitação do Processo Crime

Processo Crime

É tormentosa a questão de se saber se deve ou não haver a suspensão do processo administrativo disciplinar enquanto se discute a mesma matéria no âmbito penal.

A despeito das opiniões em contrário, entendemos que sim, o sobrestamento é medida que se impõe, de maneira que, não obstante haja independência entre as instâncias administrativa e penal, é patente que, caso os fatos apurados sejam exatamente os mesmos nas duas esferas, torna-se imprescindível o sobrestamento do procedimento administrativo disciplinar até o término da ação penal.

Isso porque, claramente, as provas colhidas no processo penal, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, constituem embasamento seguro para eventual prolação de decisão administrativa, razão pela qual – não apenas por economia processual, mas, sobretudo, pela robustez das evidências produzidas no cerne do processo penal – é, no mínimo, termerário o andamento, processamento e, eventualmente, a prolação de decisão no âmbito administrativo, enquanto pendente a análise dos mesmos fatos, na esfera penal.

No ensinamento de Carlos Alberto Marchi de Queiroz, em sua obra intitulada O Sobrestamento do Processo Administrativo Disciplinar, São Paulo, 1998, Editora Iglu, página 18:

O sobrestamento do processo administrativo disciplinar, ainda que combatido com veemência por ilustres autoridades policiais civis paulistas, enseja o conhecimento de provas e da sentença penal que, efetivamente, constituirão, no futuro, elementos de maior segurança para a decisão administrativa, muito embora o aguardo da decisão judicial não seja obrigatório, e nem costumeiramente feito no seio da Administração policial civil paulista.” (g.n.)

O mesmo autor aduz que:

A propósito, o sobrestamento do processo administrativo disciplinar é inteiramente cabível enquanto se aguarda a decisão definitiva do Poder Judiciário, em se tratando de falta também prevista na Lei Penal, no capítulo dos crimes praticados por funcionário público contra a Administração em geral, possibilitando uma apuração mais justa dos ilícitos imputados ao acusado no processo administrativo propriamente dito.” (g.n.)

A jurisprudência também vem se manifestando nesse sentido, conforme destaca o citado autor:

“Dentro desse contexto, convém trazer à colação trecho de acórdão proferido pelo Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo, pela sua 4ª Câmara Cível, verbis: “De outro lado, muito embora assente a tese da independência das chamadas instâncias penal e administrativa, a regra comporta restrições (Revista dos Tribunais, vol. 265/566; Revista de Direito Administrativo, vol. 41/168). Não pode ser compreensiva de modo a permitir que haja contradição nos diversos pronunciamentos, sempre com evidente desprestígio para um dos poderes do Estado (Cf. Estudo de Aníbal de Mello Couto, Revista de Direito Administrativo, vol. 37/510). Assim, as conclusões do processo administrativo só poderão subsistir na medida em que não tiverem sido contrariadas pela decisão judicial, justamente, por este motivo, é que tudo aconselha que a Administração, sempre que se trate de faltas, que também constituam crimes, suste o inquérito até que se verifique o pronunciamento final da Justiça.”(página 19) (g.n.)

Ademais, nesta linha, entende-se que, caso venham a ser proferidas decisões antagônicas nos processo administrativo e penal, a sensação de descrédito de um dos julgadores é consequência indiscutível. Isso porque, conforme já dito, apesar de independentes as esferas de atuação, patente a necessidade de coadunarem quanto às decisões, que podem ser diversas, porém, jamais opostas, se analisadas sob o prisma da Justiça, que será eternamente una.

De se ressaltar, ainda, que nem toda transgressão disciplinar configura crime e vice-versa, pois nem todo ilícito penal perpetrado pelo agente público configura falta disciplinar provocadora de alguma penalidade no âmbito administrativo.

Assim, se considerado inexistente o crime, nenhuma pena disciplinar poderá ser aplicada ao funcionário acusado, a não ser que, mesmo com a exclusão do ilícito penal, reste algum resquício de ilícito administrativo, o que deverá ser sopesado caso a caso.

O mesmo raciocínio deve ser feito se o juízo criminal constatar que a prova que serviu de base para eventual imposição de penalidade disciplinar foi obtida por meio ilícito, referida punição também passa a ser ilegal.

Por isso, a prudência e a segurança jurídica determinam que sim, o melhor caminho é mesmo suspender o processo administrativo enquanto tramita o processo criminal.

Ademais, a autoridade administrativa, ao sobrestar o procedimento administrativo resguarda-se de proferir eventual punição extremada. Nesse sentido, a lição do doutrinador supracitado:

“probabilidade de não condenar injustamente é muito maior na esfera penal do que na administrativa, uma vez que o julgamento administrativo, consubstanciado no processo administrativo, desenvolve-se, muitas vezes, em ambiente de tensão, carregado de paixões, faltando-lhe a necessária serenidade para a apreciação valorativa dos fatos. As pressões administrativas e políticas sobre os membros das Comissões Processantes influem, inúmeras vezes, nas decisões.(página 49)

Assim, tendo em vista que as esferas em comento possuem um ponto em comum, não há medida diversa a ser tomada além da necessária suspensão do procedimento administrativo até a conclusão do processo crime, pois clara a existência de questão prejudicial. Sobre o tema, a recente doutrina:

Relação de prejudicialidade: Na teoria do processo, todo ato processual cuja apreciação, e, sobretudo, suja resolução depender do esclarecimento de questão logicamente antecedente, configurará um ponto ou uma questão prejudicial.”[1]

“A relação de prejudicialidade, então, levanta uma impossibilidade concreta de esclarecimento de uma questão – processual ou material – em razão da dependência de outras (questões), cuja existência ou inexistência, efeitos e consequências, tenha que ser resolvida com antecedência. Diz-se de prejudicialidade a relação (entre duas ou mais questões) exatamente em razão dessa necessidade intrínseca de resolução da questão antecedente.”[2]

E continuam os ilustres doutrinadores, agora com relação à necessidade de suspensão do processo:

Prejudicialidade e suspensão do processo: Como a constatação de uma relação de prejudicialidade implica graves consequências ao processo, tendo em vista a necessidade de suspensão dele (o prejudicado, pela questão antecedente), impõe-se tratar-se de questão séria, cuja viabilidade de solução seja desde logo antevista..”[3]

Considerando então, a possibilidade de existirem no mundo jurídico decisões antagônicas nas esferas penal e administrativa, é de rigor o sobrestamento do processo administrativo até o término do processo penal, a fim de se manter unidade da Justiça.

 


[1] Pacelli, Eugênio. Fischer, Douglas. Comentários ao Código de Processo Penal e sua Jurisprudência. 8ª edição. São Paulo: Atlas, 2016. Página 251.
[2] Op. Cit. Página 252.
[3] Op. Cit. Página 256.

Samia Mohamad Hussein

Advogada do escritório Cláudia Seixas Sociedade de Advogados

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