A redução da maioridade penal como retrocesso social e sua vedação pelo ordenamento jurídico

redução da maioridade penal

A atenção dada à tramitação de projetos de Emendas Constitucionais que visam reduzir a maioridade penal, obviamente, não é sem sentido. Toda discussão acerca de alterações em nosso ordenamento jurídico deve ser amplamente divulgada, permitindo que o maior número de pessoas possa refletir sobre temas que afetam a todos.

Contudo, é de rigor que, em assuntos como tal, se possa conhecer, exatamente, os argumentos que justificam, ou não, uma alteração de tal porte.

Não é de se estranhar que, em tais discussões, todos querem provar que têm razão e demonstrar que seus argumentos são mais acertados que daqueles que discordam de seu ponto de vista.

Até aqui, tudo normal dentro de um Estado Democrático de Direito. O problema ganha contornos mais sérios quando o argumento utilizado por um dos lados não possui qualquer viés de veracidade, revestindo-se de medida populista que, por este caráter, tem grande poder de desviar a opinião pública, ainda que seja para optar pelo que é errado.

Infelizmente, é isso que acontece com a discussão acerca da redução da maioridade penal, principalmente porque tal medida é vendida como sendo a solução dos problemas de violência que assolam o país. Impossível que se tenha uma afirmação mais falaciosa.

Dados do Ministério da Justiça apontam que apenas 1% dos crimes praticados no Brasil têm menores como autores.[1] Dados da Unicef dão conta de que 1% dos homicídios praticados no Brasil têm como autores menores de 18 anos.[2] Diante de tais dados, verdadeiros e concretos, impossível se ter na redução da maioridade a tábua de salvação para a violência no Brasil.

Mas não é só.

Desde que a discussão se acirrou, diversos argumentos jurídicos contrários à redução passaram a ganhar espaço na mídia e nas redes sociais. De todos os argumentos jurídicos tecidos a respeito da matéria, de grande valia é aquele que se debruça na proibição do retrocesso social.

Note-se que a Constituição da República estabelece no inciso IV, §4º do artigo 60, que não será objeto de deliberação a proposta de emenda constitucional tendente a abolir direitos e garantias individuais. Pois bem, ainda que se possa criticar a terminologia adotada pelo Constituinte Originário, fato é que a Constituição não estabelece qualquer prioridade entre os direitos fundamentais individuais e os fundamentais sociais.

Aliás, nem poderia, pois, estando aptos a ensejar direitos subjetivos, os direitos sociais produzem efeitos na esfera individual.
Portanto, ainda que a proteção integral aos direitos da criança e do adolescente se enquadre no rol dos direitos sociais, o fato de produzirem efeitos individuais e a existência de limites de reforma que visam resguardar a identidade do texto constitucional faz com que qualquer tentativa que seja tendente a abolir tais direitos se torne inconstitucional.

Além disso, em virtude de ser signatário do Protocolo de San Salvador (Dec. 3321/99), o Brasil é obrigado a evitar o retrocesso social, ou seja, por força de tal Decreto, o Estado se compromete, perante a comunidade internacional, a adotar as medidas necessárias, tanto de ordem interna, como através de cooperação internacional, até o máximo de seus recursos, bem como a dar plena efetividade aos direitos sociais, aqui inseridos a proteção à criança e ao adolescente.

De outra banda, impossível negar que diante do cenário de mazela em que se encontra o sistema penitenciário nacional, que se afasta dia a dia da possibilidade de ressocialização do preso, reduzir a maioridade penal para submeter adolescentes a tal sistema é promover um grande retrocesso social.

Referida proibição de retrocesso nos direitos humanos, também conhecida como efeito cliquet, da expressão francesa effet cliquet, tem, para alguns juristas, status de princípio e, assim, veda tanto o legislador constitucional como o infraconstitucional a promover qualquer redução de direito fundamental social constitucionalmente garantido.

Para parte da doutrina, ”É importante lembrar que o princípio em tela é, acima de tudo um avanço na busca de patamares mais justos e dignos de vida material. A proibição de retrocesso impede que direitos sociais já disciplinados e garantidos pela legislação infraconstitucional e implementados através de ações e programas de políticas sociais sejam, ao alvedrio dos Poderes Públicos, extintos, configurando o vácuo do direito (RECHTVAKWUM). O referido princípio, desse modo, decorre da segurança jurídica enquanto um dos direitos fundamentais (art. 5º, caput), que hoje, diversamente do constitucionalismo liberal, não contempla apenas as mediações do direito de propriedade, mas ampara também as necessidades humanas básicas, sobretudo dos mais necessitados. É dizer-se que a segurança que emana das constituições é garantia que deve ser compartilhada verdadeiramente por todos (…)”[3]

Segundo Dirley da Cunha Júnior “(…) esse postulado foi consagrado na Constituição Federal de 1988 com as chamadas cláusulas pétreas que impedem o próprio poder constituinte reformador de suprimir os Direitos e Garantias Fundamentais, admitindo-se apenas ampliá-los. Isto é, os Direitos são conquistas irreversíveis, não podendo retroceder, devendo apenas avançar na tutela da dignidade da pessoa humana”[4].

Portanto, além de se mostrar como medida inócua para a solução dos problemas de violência e impunidade, a redução da maioridade penal afronta a Constituição da República em razão de, como já dito, promover a supressão de direitos sociais conquistados e garantidos constitucionalmente.

Mais uma vez se está diante da opção equivocada pelo que é mais barato, uma vez que, ao invés de suprimir direito social, a opção mais correta deveria ser a de incremento desses mesmos direitos, através de investimentos maciços em educação, saúde, trabalho e demais direitos sociais, o que certamente reduziria a violência que tanto aflige o Brasil.

Tadeu Teixeira Theodoro

Advogado do escritório Cláudia Seixas Sociedade de Advogados

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