A Ilicitude das Fake News

Fake news

Há aproximadamente dois anos o termo Fake News ganhou notoriedade e passou a ser utilizado para descrever notícias falsas, que se aproveitam da capacidade de difusão de informação da internet para beneficiar ou prejudicar alguém. Tais notícias, muitas vezes possuem o único intuito de atraírem a atenção dos usuários para páginas, aumentando, assim sua visibilidade, no que seria uma corrida por likes e visitas[1].

Recentemente, o jornal britânico The Telegraph publicou matéria bastante esclarecedora acerca do tema e destacou o impacto que essas Fake News podem ter em um pleito eleitoral, principalmente quando a disseminação dessas “notícias” está atrelada a empresas criadas exclusivamente com essa finalidade, ou seja, criar e divulgar fake news[2].

Neste aspecto, o jornal britânico destaca a disseminação e o impacto de tais notícias na eleição presidencial americana de 2016.

            Cite-se:

However, hoaxes and falsehoods have been associated with the internet since its early days, but it is only in the last two years that organised, systematic misinformation campaigns, often linked to governments, have emerged, and their effect on democracy and society scrutinised.

The 2016 US election has been seen as providing a fertile breeding ground for fake news. Some credit Donald Trump’s anti-establishment rhetoric and distrust of the mainstream media. Others blame widening partisanship, which meant readers were more prone to believe and share stories that fit their beliefs. 

Todavia, muito embora o termo Fake News tenha ganhado destaque nos últimos dois anos, a proliferação de notícias e propagandas falsas não é algo novo e no século XX, foi largamente utilizado em períodos de guerra e em governos fascistas, com o fito de persuadir a população.

No Brasil, atualmente, a utilização maciça de Fake News, principalmente com escopo eleitoral tem se revelado um problema para as autoridades, tendo motivado o Ministério Público Federal a divulgar documento orientando Procuradores a identificar e investigar referidas notícias falsas[3]

Ocorre que, em geral, divulgar boatos não é crime.

Porém, aquele que divulga tais notícias, por qualquer meio, deve ter em mente que tais boatos podem, em muitos casos, caracterizar os delitos de calúnia, difamação e injúria, previstos no Código Penal. Em alguns casos, dependendo do conteúdo da notícia falsa, o indivíduo pode ser enquadrado nos crimes de racismo.

Além disso, nesses casos, o indivíduo que compartilha Fake News está sujeito a sanções civis, consistentes no pagamento de indenização às vítimas dessas notícias falsas.

Noutra banda, o Código Eleitoral, em seu artigo 323 prevê como crime a conduta de divulgar fatos inverídicos que possam influenciar no eleitorado, tipificando, também, de forma especial, os crimes de calúnia, difamação e injúria, nos artigo 324 e 325.

            Cite-se:

Art. 323. Divulgar, na propaganda, fatos que sabe inverídicos, em relação a partidos ou candidatos e capazes de exercerem influência perante o eleitorado:

Pena – detenção de dois meses a um ano ou pagamento de 120 a 150 dias-multa.

Parágrafo único. A pena é agravada se o crime é cometido pela imprensa, rádio ou televisão

Art. 324Caluniar alguém, na propaganda eleitoral, ou visando fins de propaganda, imputando-lhe falsamente fato definido como crime:

Pena – detenção de seis meses a dois anos e pagamento de 10 a 40 dias-multa.

§ 1º Nas mesmas penas incorre quem, sabendo falsa a imputação, a propala ou divulga.

§ 2º A prova da verdade do fato imputado exclui o crime, mas não é admitida:

I – se, constituindo o fato imputado crime de ação privada, o ofendido, não foi condenado por sentença irrecorrível;

II – se o fato é imputado ao presidente da República ou chefe de governo estrangeiro;

III – se do crime imputado, embora de ação pública, o ofendido foi absolvido por sentença irrecorrível.

Art. 325. Difamar alguém, na propaganda eleitoral, ou visando a fins de propaganda, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação:

Pena – detenção de três meses a um ano e pagamento de 5 a 30 dias-multa.

Destaque-se, contudo, que estes tipos estão atrelados às propagandas oficiais dos candidatos, ou seja, não se configurariam se a divulgação se desse por qualquer um do povo através das redes sociais, o que, por exemplo, ocorre muitas vezes em perfis falsos.

Assim, a divulgação dessas notícias, fora das propagandas oficiais, pela letra fria da lei, não deveria, portanto, configurar crime eleitoral. Nessas hipóteses o responsável pela divulgação deveria ser enquadrado nos crimes comuns, que como referenciado acima, podem ser os de injúria, calúnia e difamação.

Todavia, o pleito eleitoral atual se revelou como ambiente propício para a divulgação e proliferação de Fake News, fazendo com que o TSE tivesse a necessidade de publicar a resolução n. 235512017 prevendo a punição, no âmbito da Justiça Eleitoral do eleitor que divulgar notícias sabidamente falsas.

            Cite-se:

Art. 22. É permitida a propaganda eleitoral na internet a partir do dia 16 de agosto do ano da eleição (Lei nº 9.504/1997, art. 57-A).

§ 1º A livre manifestação do pensamento do eleitor identificado ou identificável na internet somente é passível de limitação quando ocorrer ofensa à honra de terceiros ou divulgação de fatos sabidamente inverídicos.

§ 2º O disposto no § 1º se aplica, inclusive, às manifestações ocorridas antes da data prevista no caput, ainda que delas conste mensagem de apoio ou crítica a partido político ou a candidato, próprias do debate político e democrático.

Assim, no âmbito da Justiça Eleitoral, é certo que a divulgação de notícias falsas pela Internet, por pessoas físicas ou jurídicas em geral é passível de punição, independente de estar ou não atrelada à propaganda oficial.

 Além do mais, a contratação e utilização de empresas, que atuam na criação de notícias falsas para publicação e divulgação na internet, muitas vezes se valendo de sistemas automáticos de compartilhamento deve caracterizar, de plano, o ilícito de abuso de poder econômico.

 Assim, se comprovada a anuência do candidato, justifica-se a propositura da medida judicial tendente à cassação do registro se o caso se der durante o pleito, ou do diploma, se a comprovação do abuso ocorrer comente após a diplomação.

Destaque-se, quanto a isso, que a Lei da Ficha Limpa prevê que o abuso de poder econômico e de poder político são causas de inelegibilidade, tendo, alterado, neste aspecto a disposição da Lei de inelegibilidade (LC 64/90).

Quanto a isso, cite-se a definição dada pelo Tribunal Superior Eleitoral ao abuso de poder econômico[4]:

O abuso do poder econômico em matéria eleitoral é a utilização excessiva, antes ou durante a campanha eleitoral, de recursos financeiros ou patrimoniais buscando beneficiar candidato, partido ou coligação, afetando, assim, a normalidade e a legitimidade das eleições.

Por uso do poder econômico entende-se o emprego de dinheiro mediante as mais diversas técnicas, que vão desde a ajuda financeira, pura e simples, a partidos e candidatos, até a manipulação da opinião pública, da vontade dos eleitores, por meio da propaganda política subliminar, com a aparência de propaganda meramente comercial.

O uso do poder econômico, quando feito por meio dos partidos e com obediência estrita à legislação, é lícito. O que o torna ilícito é o seu emprego fora do sistema legal, visando a vantagens eleitorais imediatas, com o fato de intervir no processo eleitoral, definindo os resultados de acordo com determinados interesses.

Portanto, verifica-se que o compartilhamento de Fake News pode ensejar a punição de indivíduos nos âmbitos criminal, cível e eleitoral e, como toda prática ilícita deve ser veementemente combatida pelo poder público.

Tadeu Teixeira Theodoro

Advogado do escritório Cláudia Seixas Sociedade de Advogados


[1]https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI281317,41046-E+crime+compartilhar+uma+fake+news
[2] https://www.telegraph.co.uk/technology/0/fake-news-exactly-has-really-had-influence/
[3] http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/ccr2/orientacoes/documentos/11-texto-sobre-fake-news-gacc.pdf
[4] http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2013/Marco/abuso-de-poder-economico-e-politico-sao-causas-de-inelegibilidade-por-oito-anos

 

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