A denúncia genérica nos crimes contra a Ordem Tributária

crimes contra a Ordem Tributária

A ânsia arrecadatória estatal tem feito com que o governo intensifique os meios para se evitar a sonegação fiscal e maximizar a arrecadação de tributos.

Nestes termos, tem sido duramente criticado pela doutrina1 o uso da Ação Penal como meio de se pressionar o contribuinte para o pagamento de tributos. Com isso verifica-se o que se convencionou a chamar de banalização do direito penal tributário, que torna crime qualquer tipo de infração que seria meramente administrativa.

Diante dessa postura do Poder Público, os contribuintes são, constantemente, denunciados sem que se tenha descrito na denúncia qualquer conduta que pudesse indicar que tenham concorrido para a prática de crime.

As denúncias limitam-se, nestes casos, a narrar o tipo penal e os termos constantes nos autos de infração em claro desrespeito ao devido processo legal e ao artigo 41 do Código de Processo Penal.

O referido artigo diz que “a denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso com todas as suas circunstâncias”.

Ora, quando a lei refere-se a todas as circunstâncias do fato criminoso, obviamente não está exigindo a mera reprodução do tipo penal, mas sim a descrição de como, onde e quando o agente, devidamente qualificado e individualizado, praticou a conduta tida como criminosa e se, nestes casos ele possuía o intuito de reduzir ou suprimir tributos.

Obviamente que se a denúncia não descreve tais circunstâncias, deve ser tida como inepta, máxime, porque a denúncia genérica impede que o acusado se defenda, pois nem ao menos traz em seu bojo a delimitação da conduta do acusado.

Hugo de Brito Machado, em perfeita análise do tema, ensina que:

“A experiência da vida coloca fora de dúvida a inexistência de razões jurídicas para a aceitação da denúncia genérica nos crimes contra a ordem tributária. Admiti-la contraria o princípio segundo o qual não existe responsabilidade penal sem culpabilidade. Implica mais do que aceitar a responsabilidade objetiva. Implica aceitar a responsabilidade objetiva por fato de outrem.”2

Ora, ainda que se refira a crime cometido no seio de pessoa jurídica não basta ao acusador a descrição genérica e impessoal do fato, como se a empresa se confundisse com os sócios.

Relegar para a instrução criminal a possibilidade de se individualizar as condutas dos denunciados é o mesmo que admitir o início da ação penal sem que se saiba se houve crime e quem, de fato, o cometeu.

O ilustre Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Assis Toledo, em emblemático julgamento afirmou que:

“Ser acionista ou membro do conselho consultivo da empresa não é crime. Logo, a invocação dessa condição, sem a descrição de condutas específicas que vinculem cada diretor ao evento criminoso, não basta para viabilizar a denúncia.”

“A denúncia, pelas consequências graves que acarreta, não pode ser produto de ficção literária. Não pode, portanto, deixar de descrever o porquê da inclusão de cada acusado como autor, coautor ou partícipe do crime.”3

O Tribunal de Justiça de São Paulo, nesta esteira, tem adotado o mesmo entendimento, como se verifica do seguinte julgado:

“Não obstante respeitável entendimento jurisprudencial em contrário, a descrição genérica e vaga da conduta, tratando-se de delitos societários ou coletivos, há de ser considerado grave vício de forma e conteúdo, verdadeira afronta ao artigo 41 do CPP, mormente quando a denúncia peca por vir desacompanhada de elementos indiciários mínimos da participação da denunciada, fazendo viva a disposição do artigo 395, III, do mesmo código.”4

Nestes termos, tem-se que, ainda que exista entendimento em que se admita a atenuação do artigo 41 do Código de Processo Penal, para os casos de crime contra a ordem tributária, cometidos no âmbito de pessoas jurídicas, fato é que, nesses crimes a descrição da participação dos acusados na prática do delito é essencial para a denúncia, em respeito às garantias constitucionais da ampla defesa e do devido processo legal e, certamente, sua ausência deve levar à rejeição da denúncia.

No mais, não se pode permitir que a ação penal seja usada de forma leviana como instrumento de arrecadação de tributo, pois não é esse o fim a que se destina o Direito Penal.

Tadeu Teixeira Theodoro

Advogado do Escritório Cláudia Seixas Sociedade de Advogados

1 MACHADO, Hugo de Brito. Estudos de direito penal tributário. São Paulo. Atlas. 2002. p. 134/135 e NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 2ed. RT. 2007. p. 860/861

2 MACHADO, Hugo de Brito. Estudos de direito penal tributário. São Paulo. Atlas. 2002. p. 85.

3 STJ, 5 Turma, RHC 4.214-1/DF, DJU-1 de 27-3-95.

4 TJSP, 16 Câmara de Direito Criminal, HC 0030954-49.2011.8.26.0000,Rel. Des. Almeida Toledo, julgado em 24-5-2011

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