O Artigo 306 do CTB na Vigência da Lei 12.760/12 – Reflexões sobre a caracterização do crime e condições clínicas do agente

Artigo 306 do CTB

Desde o advento do Código de Trânsito Brasileiro (Lei Federal nº 9.503, de 23 de setembro de 1997), a condução de veículo por motorista embriagado tornou-se conduta típica criminosa específica e prevista no artigo 306, do referido diploma.

Todavia, anos depois, em 2008, com o advento da Lei Federal nº 11.708, que ficou conhecida como “Lei Seca”, o rigor penal foi aumentado, pois deixou-se de exigir dano potencial a terceiros (perigo concreto) para caracterizar a prática delitiva, bastando, para tanto, a existência do chamado perigo abstrato.

Após severas críticas em virtude de uma aparente falha na construção legislativa, o artigo 306 do CTB foi novamente alterado, dessa vez pela Lei Federal nº 12.760, de 20 de dezembro de 2012, batizada de “Nova Lei Seca” que dispõe ser crime quem Conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência: Penas – detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor. Verifica-se que, com a nova alteração do artigo 306 do CTB, foi inserida no tipo penal uma nova elementar normativa, qual seja, a valoração da capacidade psicomotora.

Assim, a adequação típica da conduta, agora, depende, não apenas da constatação da embriaguez, mas, também, da comprovação da alteração da capacidade psicomotora pelos meios de prova admitidos em direito.

Nesse contexto, a capacidade psicomotora alterada pode ser conceituada como afetação de percepção, autocontrole e reação, originada pelo consumo/ingestão de substâncias psicotrópicas ou bebidas alcóolicas.

A Nova Lei Seca criou certa subjetividade nessa análise do comportamento humano alterado pela ingestão do álcool, ou seja, o policial ou agente de trânsito pode avaliar se o condutor está ou não embriagado, caso se recuse a fazer o teste de etilômetro.

Todavia, cria-se aqui outra polêmica: levando-se em conta que a tolerância ao álcool varia de pessoa para pessoa e que, portanto, o comportamento de cada indivíduo pode ser diferente, torna-se difícil precisar ou aferir a influência da ingestão do álcool nessa alteração comportamental.

Sabe-se que é distinta a forma como o álcool e/ou uma droga afeta cada pessoa. Mais que isso: a mesma pessoa pode ter reações diferentes ao fazer uso de uma mesma droga, dependendo da diferença das situações em que isso ocorre.
O grau de embriaguez[1], que se classifica em incompleta e completa, depende do teor de álcool no sangue e da maior ou menor tolerância a ele de cada pessoa. A tolerância, por sua vez, depende de muitos fatores, tais como: idade, peso, nutrição, estados patológicos, condições patológicas e, principalmente, habitualidade.

Há que se observar, ainda, que o resultado do exame de dosagem alcóolica pode gerar interpretações variadas, uma vez que cada pessoa tem uma constituição diferente e reage de maneira diversa, havendo necessidade de maior quantidade de álcool para algumas pessoas do que para outras para alterar sua capacidade psicomotora.

Assim sendo, tratando-se de requisito expresso no tipo penal, em cada caso concreto, é importante comprovar e não presumir a alteração da capacidade psicomotora.

Em acidentes de trânsito é possível que a pessoa envolvida entre em estado de choque apresentando sinais e sintomas parecidos com os de consumo de álcool ou drogas. O mesmo se diga das pessoas que sofrem com a baixa concentração de glicose no sangue, as quais apresentam episódios de hipoglicemia capazes de gerar comportamento semelhante ao de uma pessoa embriagada[2].

Com o advento da Nova Lei Seca é de suma importância avaliar a forma de condução do veículo e a influência que a ingestão de álcool gerou especificamente no comportamento do agente envolvido.

Não basta para a configuração do delito a constatação da presença da substância capaz de alterar a psicomotricidade em si. É dizer: aquele que consegue controlar o perigo de conduzir um veículo após o consumo prévio de álcool ou de drogas, não deve responder pelo delito, pois não criou contexto de violação aos bens jurídicos penalmente tutelados.

A subjetividade pode criar interpretações falhas sobre o estado do motorista e até mesmo gerar informações inverídicas.

A Resolução nº 432, de 23 de janeiro de 2013 do Conselho Nacional de Trânsito – CONTRAN dispõe sobre os procedimentos a serem adotados pelas autoridades de trânsito e seus agentes na fiscalização do consumo de álcool ou de outras substâncias psicoativas.

Quanto à verificação dos sinais de alteração da capacidade psicomotora, o artigo 5º, inciso II da resolução supramencionada diz que uma das formas para tal verificação é o agente fiscalizador observar um conjunto de sinais que comprovem a situação do condutor, tais como sonolência, olhos avermelhados, vômito, soluços, desordem nas vestes, odor etílico, agressividade, arrogância, exaltação, ironia, dispersão, dificuldade de equilíbrio, fala alterada, entre outros.

De acordo com o CONTRAN, os agentes fiscalizadores estão autorizados a triar essas alterações comportamentais, de tal sorte que viabilizem, ou não, eventuais autuações de condutores de veículos automotores.

Todavia, inferir qualquer juízo de valor sobre condição clínica, por influência de ingestão de álcool parece ser mais um ato médico do que um simples ato administrativo.

Nessa esteira de raciocínio, ato médico[3] deve ser compreendido como o conjunto das atividades de diagnóstico, tratamento e encaminhamento de um paciente.

É dizer: sendo relativa para cada indivíduo, a influência do álcool prevalece a prova testemunhal sobre o laudo positivo de dosagem alcóolica.

O grau de embriaguez e, portanto, a alteração que possa ter determinado no psiquismo do agente se estabelece não pela comprovação de uma alcoolemia de certa porcentagem, mas, sim, pela identificação de seus sintomas clínicos.

Reside aí a crítica ao inciso II, do artigo 5º da Resolução 432 do CONTRAN, ou seja, não parece adequado permitir que um agente de trânsito possa analisar condição clínica de um indivíduo, com o escopo de verificar embriaguez.

Portanto, conclui-se que o inciso II do artigo 5º da citada Resolução do CONTRAN deveria ser suprimido do dispositivo vigente, deixando que a análise do comprometimento da capacidade psicomotora do condutor infrator seja apenas aferida por profissional tecnicamente habilitado, no caso, o médico.

Mônica Santiago Oliveira Amaral Carvalho

Cláudia Seixas Sociedade de Advogados

 


[1] ALCÂNTARA, Hermes Rodrigues de. PERÍCIA MÉDICA JUDICIAL, 2ª edição, ed. Guanabara Koogan, p. 192.
[2] BEM, Leonardo Schmilt de. DIREITO PENAL DE TRÂNSITO, 3ª edição, ed. Saraiva, p. 354.
[3] Fonte: http://www.cremesp.org.br/pesquisar.php?q=ato+m%E9dico
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